Ainda não estou preparado para caminhar à chuva. Por isso, fiquei em casa em vez de me submeter à agrura dos elementos. Tenho de comprar equipamento adequado, mas hesito, hesito…. Não sei se, mesmo equipado para enfrentar o mau tempo, me apetecerá ir para a rua e expor-me ao delírios chuvosos de S. Pedro. Dir-me-ão – e com razão, reconheço – que estamos em tempo de chuva. Estamos. Diante de mim tenho o romance Fontamara (1930), de Ignazio Silone, publicado em Portugal em 1959. A editora é a Publicações Europa América, que chegou a ser uma das grandes editoras do país, mas que não resistiu às intempéries. O romance mais conhecido de Silone é Vinho e Pão, que, um dia destes, talvez leia. Lembro-me, perfeitamente, de o ver nas livrarias, mas nunca o cheguei a comprar, até que, há dias, decidi adquiri-lo a um alfarrabista. O título é claramente eucarístico, embora a temática, segundo me constou, seja mais de natureza política e, ao mesmo tempo, existencial, o que estaria no espírito da época. A obra é de 1936. Isto recordou-me um quadro de Júlio Pomar, O Almoço do Trolha, que é, na verdade, uma refiguração da Sagrada Família, na sua estrutura triangular. Seria interessante – e talvez tenha já sido feito – estudar como as figuras do espírito revolucionário – nomeadamente, nas diversas artes – dos séculos XIX e XX se fundam na simbólica do cristianismo e que, sem essa simbólica, provavelmente nunca teriam existido. Somos aquilo que somos, e o que somos enraíza-se em Atenas, Roma e Jerusalém. Convém dar atenção às três e não deitar nenhuma borda fora. É o que me ocorre neste dia de chuva, que me impediu – quero dizer: me deu uma justificação ou uma desculpa – de ir fazer a minha caminhada diária. O relógio – um smartwatch que me controla a existência – está a mandar-me mexer, como quem diz: põe-te a andar. Deve estar farto da monotonia da secretária.
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