Tenho aqui alguns livros – mais do que devia – que estão organizados por alturas. Nunca me tinha ocorrido esse critério de organização, mas talvez seja tão pertinente como outro qualquer. O caso, porém, deve-se à mais pura necessidade: a estante tem prateleiras com diferentes alturas, o que me obriga a uma ginástica organizacional. A espécie humana tenta encontrar motivações racionais para organizar o seu mundo; no caso dos livros, os temas e os autores são princípios racionais de organização. Será a melhor forma? Haverá bons argumentos a seu favor. Contudo, podemos supor que, num mundo em que os livros fossem arrumados ao acaso – uma radicalização da organização por altura –, se cultivariam virtudes que a actual organização das bibliotecas não permite. Imaginemos uma grande biblioteca onde não há qualquer critério de organização: o leitor parte em demanda do livro desejado. Isto tem várias vantagens. Em primeiro lugar, faz a experiência da incerteza, o que é uma preparação para lidar com a existência, que nunca deixa de ser incerta. Pergunta-se: existirá o livro ou desapareceu, apesar de haver um registo de compra? Depois, empreende uma viagem que não deixa de ser uma aventura. Se vai descobrir ou não a obra que pretende, isso nunca saberá. Contudo, aprenderá a mapear a biblioteca, a construir esquemas racionais para lidar com o caos. A certa altura – a experiência mais fundamental – descobrirá que o importante não é a obra, mas a viagem, a aventura da caça, mesmo que o livro a caçar não exista. Como não tenho espírito de aventura, em casa, a minha biblioteca está racionalmente organizada: temas e autores. Contudo, aqui e ali vou introduzindo pequenas clareiras onde o caos reina, os temas se cruzam e os autores se misturam. Isso serve para me lembrar a minha falta de espírito de aventura – ou então da necessidade de comprar mais estantes.
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