sábado, 2 de junho de 2018

Junho


Junho chegou e nem dei por Maio se ter ido. Foi sem uma palavra, envolto em festividades, simulacros de um paraíso que se perdeu para sempre. Os dias passam por mim, vão rápidos, presunçosos, cheios de eternidade. Sinto a minha lentidão como uma sombra devorada pelo rancor do tempo. Nas ruas, os transeuntes apressam-se, a festa aguarda-os no bulício da tarde. Esperam no calor da multidão mitigar o frio que lhes habita a alma. Se alguém me interpela, eu calo-me. Não por indelicadeza, mas por não ter nada para dizer. Um pássaro canta na minha janela. Abro-a, o pássaro voa e o silêncio cai sobre mim.

sábado, 7 de abril de 2018

Presunção


Não cozinhar pode ser uma virtude, mesmo num tempo em que o saber fazer alcance elevada cotação no mercado em que todos vivemos. Foi o que me ocorreu quando entrei num takeaway e me vi rodeado de gente que me fazia passar pela ilusão de ser novo. E enquanto as empregadas, com zelo e bonomia, iam despachando encomendas e satisfazendo caprichos, eu sentia que os que me rodeavam, caso tiver sorte, são o meu futuro. Quando saí para a ira ventosa da rua, ri-me com a minha presunção. Não, não são o meu futuro. São o meu presente. Fechei a porta do carro, pu-lo a trabalhar e o rádio devolveu-me uma oratória de Händel, O Messias, precisamente. Bem preciso de quem me salve, pensei ao desfazer uma curva em direcção a casa. A chuva caía lúgubre e hesitante. Mais logo, talvez o sol rompa a muralha das nuvens. O melhor mesmo, para não cair em metáforas mortas, seria não pensar, pensei.

sexta-feira, 6 de abril de 2018

Elegia


Estava a ver a chuva e a pensar na cadência de um poema. O segredo da poesia estará em fazer que o poema encarne o ritmo da língua. Então ele descerá sobre o espírito como a chuva sobre a terra, umas vezes leve e brando; outras, exaltado ou melancólico. Hoje, a chuva é uma elegia, cai triste, dolente, dolorosa, e as pessoas olham-na com compaixão e deixam escapar do rosto o desejo que ela parta. A cidade arrasta-se no cansaço de uma Primavera ainda inclinada para o mistério do Inverno. Ah se o ritmo do dia fosse outonal, ainda seria possível crer no paraíso, segredei a mim mesmo, enquanto voltava costas ao mundo.

quinta-feira, 5 de abril de 2018

Fidelidade


Ontem, ao passar pela Lagoa de Óbidos, lembrei-me das dores que atormentaram Agamémnon, ao partir para guerra, tão ansioso do sangue dos troianos e do prazer da vingança. A certa altura, vi umas velas de windsurf empurradas sem furor pela brisa vinda do mar, enquanto alguns guerreiros, com a sabedoria dos juncos, se equilibravam sobre as pranchas. Há muito que não via gente a praticar windsurf, pensei com tristeza ao olhar o descolorido daquelas velas. Depois, deu-se um curto-circuito e perguntei-me o que sucederia se o vento desaparecesse e uma acalmia sem fim caísse sobre a lagoa. Haveria uma Ifigénia para sacrificar por um Agamémnon exaltado? O carro rolava devagar e dócil como as asas de uma borboleta ao sol da manhã. Ao perder o bando de velejadores de vista, logo me esqueci de Ifigénia, de Agamémnon e do cruel destino que foi o deles. A fidelidade é um exercício difícil, dissertei ao recordar-me há pouco de tudo isso. O melhor será pensar noutra coisa.

quarta-feira, 4 de abril de 2018

Salvação


Ao fundo, os olhos param nas dunas de Salir. Depois rodam, rodam e encontram a entrada da baía. O mar, para além do pórtico, está exaltado, mas tudo na praia permanece tranquilo. Por vezes, vou a S. Martinho do Porto, nos dias em que suspeito haver por lá pouca gente, e deixo-me cercar pela lentidão com que as pessoas passeiam pela marginal. Olho as águas paradas, o balançar quase imperceptível dos barcos, e deixo que o sol caia sobre mim. Ali, enquanto caminho, posso quase conceber uma teoria da perfeição ou descobrir que toda a virtude reside na imobilidade. Um pai e uma mãe, com duas crianças e um cão, talvez alemães, passam por mim. O cão ladra, mas a família segue em silêncio, ele sorumbático e ela espinafrada, como diria a minha neta mais nova. E eu silencio-me dentro do silêncio deles. Espero um milagre qualquer, mas ele não chega. Nunca sei qual é o caminho da salvação.

terça-feira, 3 de abril de 2018

Dias assim


Há dias assim. Ouve-se uma música, Sérgio Godinho e Ivan Lins, uma nostalgia inútil desce sobre nós e lembra um tempo vivido, dias que não voltarão e que não são mais que breves traços mnésicos de coisas encerradas no cofre-forte do passado. A canção acabou e uma espécie de libertação abriu-se no peito. O sol triste ainda não se livrou, para meu contentamento, da semana santa. A vida decorre sem mácula ou perturbação, as pessoas passam apressadas pela avenida, outras ficam em casa temerosas do tempo. Um casal vai devagar de mão dada, enquanto dois pombos tracejam o céu mesmo em frente dos meus olhos. Não sei que nome hei-de dar a dias assim. Cada vez sei menos coisas, felizmente.

segunda-feira, 2 de abril de 2018

Abril


O dia convida a não sair de casa. Resisto à tentação e submeto-me à necessidade de fazer parte do mundo. A cidade ainda não acordou do longo fim-de-semana. Carros passam vagarosos, alguns param. Intermitente, o símbolo de uma farmácia insiste em inundar-nos os olhos de verde, a esperança nascida de uma química misteriosa, um milagre em cada receita. Uma mulher de calças e sapatos altos encarnados sobe com dificuldade os seis degraus que a hão-de levar a um dos bancos. Sigo-a com o olhar. Empurra a porta, depois de passar o cartão, e é devorada pelo templo dos nossos dias. No rumor da rua não soa qualquer requiem, a morte é uma banalidade que dispensa a música. Basta entrar pela porta certa. Sigo pelo passeio. As árvores estão despidas e ameaça chover. Abril é sempre um árduo exercício.

domingo, 1 de abril de 2018

Na rua


Oiço crianças a gritar. Estão lá em baixo, correm e gritam como se fossem crianças a correr e a gritar. Nunca deixo de me espantar por ainda existirem crianças a correr e a gritar nas ruas. A vida é tão asséptica que o que era normal tornou-se excepção, acontecimento. O sol parece sofrer de anemia, e assim não se ouve nenhuma mãe a ordenar que ponham o chapéu. Talvez as mães já não se importem com chapéus e se ocupem de outra coisa sentadas à mesa do café. Novos gritos. Espreito pela janela mas não vejo as crianças, estarão do outro lado. Num canteiro relvado há um círculo de madeira no centro, o que ficou de uma palmeira cortada rente ao chão. Uma nuvem mais forte passa diante do sol e parece Sexta-feira de Paixão e não Domingo de Páscoa. O dia levita e inclina-se sobre a cidade. Vai devorá-la, desconsolado, até que a noite chegue e o liberte deste seu pesar. Gritaram, mas não percebi o quê. E tudo se enrodilhou na ratoeira do silêncio.

sábado, 31 de março de 2018

Leituras


Não leio em cafés ou na praia. Por vezes, tento mas sou de imediato derrotado. Ainda pensei pegar no livro e ir sentar-me no café ao lado de casa. Espreitei pela janela e desisti. Um excesso de humanidade alegre e ruidosa, presa às suas ilusões e ao vazio que nos coube em sorte. Perderia outra vez. Sento-me à secretária e começo a ler O Fim dos Tempos Modernos. Hoje em dia, desconfio, ninguém lê Romano Guardini. O livro foi publicado em 1950 com o título Das Ende der Neuzeit. Leio a tradução francesa de 1953, tudo anterior ao meu nascimento, pensei. Não admira que já ninguém saiba sequer quem foi Guardini. Inclino-me para o livro, mas as metamorfoses do sol perturbam-me a leitura. Brilha e logo se esconde atrás de alguma nuvem, como se quisesse jogar às escondidas comigo ou cantar aleluias. Não quero. Fico a olhar ao longe, o hospital parece uma alma penada, tragado pelo bolor. Os cedros do pequeno bosque da escola em frente crescem vigorosos. Pena que não existam também ciprestes, concluí e peguei no livro.

sexta-feira, 30 de março de 2018

Dia da paixão


Tive de ir fazer algumas compras. As pessoas embrulham-se nos afazeres que a necessidade impõe, gratas pelo feriado, indiferentes à razão que lhes permite estarem ali. Vejo gente conhecida há décadas, troco ironias e amabilidades, desejamo-nos boa Páscoa, submetidos ao império do hábito, e cada um segue o seu caminho. Chego à rua e o sol hesita entre esconder-se e brilhar, deixo-me levar pela a aragem e penso que não há metáfora que nos permita descrever aquilo que vemos nem metonímia que autorize um mortal a explicar a realidade. Os carros passam e nesta constatação está todo o meu saber e toda a minha cegueira. O dia desliza lentamente para dentro da cruz de um Cristo abandonado na prateleira do supermercado.

quinta-feira, 29 de março de 2018

Livros


Fui comprar livros em papel, já não o fazia há algum tempo, rendido que estou, e há muito, às vantagens dos e-Readers. Não vou argumentar sobre questões de fé. Comprei dois livros da Agustina Bessa-Luís editados pela Relógio d’Água e três de poesia. Omito os autores. Saio com os livros num saco de plástico e deixo-me embalar pelo sol de Março, enquanto as pessoas passam apressadas em direcção ao grande fim-de-semana. Alguém me cumprimenta, trata-me pelo nome. Retribuo, mas não sei o nome da pessoa. Mascaro o esforço com um sorriso e desejamo-nos boa Páscoa. Um final feliz, pensei, não sabendo se me esqueci do nome ou se nunca o soube. É melhor não me preocupar. Sinto o sol a entranhar-se na pele, as sombras a crescer para tarde. Estou de passagem, ouvi-me dizer. Encolhi os ombros. Chega de banalidades. Tenho alguém à minha espera e apresso o passo ao atravessar a rua.

quarta-feira, 28 de março de 2018

Tempo


As horas deslizam sorrateiras e cravam-se na garganta para nos sangrarem. Imagino então o sangue a deslizar, a empapar a roupa, enquanto olho para a rua e vejo um gato à beira do passeio. Hesita longamente e, depois, dá uma rápida corrida para o outro lado da avenida, enquanto um carro trava e eu vejo tudo isso, imaginando o sangue a pingar no soalho, os minutos a passar mais apressados que o gato. Se fosse possível libertarmo-nos do punhal do tempo, medito sem esperança, tudo teria sentido. Um carro passa apressado, buzina, e eu perco de vista o gato. É sempre assim, nunca deixamos de perder de vista aquilo que é mais importante. Talvez chova mais logo, penso ao olhar o céu cinzento.

terça-feira, 27 de março de 2018

Sol quaresmal


Hoje está um sol de Quaresma, pensei ao sair de casa. Um sol quaresmal, mas que coisa será essa? É um sol que brilha sem exuberância, que se derrama sobre os prédios com uma leve tristeza, que toca os espíritos fazendo lembrar umas vezes a solidão e outras a promessa de um grande acontecimento. A cidade não sai diminuída com este sol. Estacionei o carro ao lado da Igreja de S. Pedro. No pequeno percurso que tive de fazer a pé, tudo estava menos deprimente do que é habitual. Graças ao sol. Eu sei que estamos em tempo de ressurreição e que não devemos projectá-la na realidade, mas temos de ser compassivos. Sempre se pode imaginar que a velha vila, aquela que foi exuberante, há-de ressuscitar ou voltar numa manhã de nevoeiro. Não ressuscitará nem voltará, claro. As casas estão cansadas, as pessoas exaustas e o mundo tem mais que fazer do que satisfazer os desejos de quem, tocado pelo sol, se deixa arrastar pela melancolia que cobre as horas. Não haverá nenhum grande acontecimento. E isso pode não ser mau.

segunda-feira, 26 de março de 2018

Sono


Se estou exausto, um dos meus sítios preferidos para adormecer é em frente ao computador. Chego, sento-me, ligo-o e olho para ali como se estivesse a ver alguma coisa. Não estou. Então, o sono vem sobre mim, a cabeça descai, o queixo choca com o peito. É provável que ressone. Se me babo ou não, isso é coisa a que pouparei o leitor. E a máquina, assim enjeitada, ali fica a trabalhar, com um zelo inexcedível e uma lógica perturbante. Se sonho, não sei. Sou um deficiente onírico, pois raramente me lembro de sonhar. Este pensamento alucinado tranquilizou-me. Seria muito desagradável sonhar uma coisa que entrasse em conflito com o que se passa no monitor. Quando acordo, dói-me o pescoço, mas não nos dói sempre alguma coisa? Umas vezes, um dedo, outras, o nariz, ou a alma ou alguma memória desabrida. Não foi para que nos doesse sempre alguma coisa que nascemos com o pecado original?

domingo, 25 de março de 2018

A glória do dia

Talvez por lhe ter sido roubada uma hora, sinto este domingo quase como uma promessa. Eu sei que não se deve viver de promessas, mas nem a passagem pela avenida marginal, onde, hesitante, a feira de velharias atrai curiosos enfadados, nem a romagem ao sítio onde se arrasta moribunda a feira de Março conseguiram deitar cinza e luto sobre o meu ânimo. É verdade que as pessoas passeiam com o mesmo ar desolado que ostentam nos outros domingos. Um homem caminha apressado, enquanto, em desespero, tenta com um pente pôr ordem no cabelo. Um pai solitário arrasta os filhos em direcção ao carrossel. Um anúncio de farturas mistura-se com a música estridente de todas as feiras destes país. Nada disso, porém, entenebrece o dia e a sua glória. A segunda-feira será menos dolorosa, creio.

sábado, 24 de março de 2018

Visita de estudo


Passei o dia em visita guiada a Tomar. Quase me tornei templário, e isso só não aconteceu porque não havia quem me armasse cavaleiro. Assuntos de cavalaria são coisas sérias e obedecem a regras estritas, e eu não sou de infringir regras, e não ostento títulos no currículo que não me tenham sido autenticamente outorgados. O tempo estava borrascoso, uma frialdade das antigas, uma chuva fria e impertinente, ventos desabridos, como se Éolo quisesse tirar vingança e abrisse a caixa para punir algum dos viajantes, talvez a mim. Antes a caixa de Éolo do que a de Pandora, pensei e fiquei mais tranquilo. Entre claustros e igrejas, lá almocei numa taverna antiqua, onde também não descobri qualquer cavaleiro dotado com poderes suficientes para me fazer entrar na Ordem. Inconformado por não me ter sido dado o merecido acesso à Idade Média, exausto de góticos e manuelinos, lá vim para casa, onde, no conforto do lar, posso imaginar-me cavaleiro da Ordem do Templo, enquanto escrevo isto e oiço jazz. O que devia mesmo era ouvir canto gregoriano, disse de mim para mim. Talvez me fosse mais fácil ser monge beneditino do que cavaleiro de Cristo. Amanhã será outro dia, espero.

sexta-feira, 23 de março de 2018

Castelos


Agora dou comigo a consultar, com mais frequência, a informação meteorológica. Estava olhar, de uma das janelas aqui de casa, para as muralhas do castelo. O céu cinzento escuro agradou-me. Pensei que este tempo é o verdadeiro tempo de Quaresma e vim ao computador para saber como estará o humor de S. Pedro na próxima semana. Parece que vai estar melhor do que devia, constatei não sem um trejeito de desagrado. O melhor é esquecer-me do tempo e voltar a olhar o velho castelo, agora que ele está limpo e asseado. Para dizer a verdade, gosto imenso de castelos e por isso sinto-me tocado por uma enorme piedade quando os vejo assim tão edulcorados, tão mortos, tão prontos para o postal turístico que ninguém há-de comprar.

quinta-feira, 22 de março de 2018

Anoitecer


Arrefeceu. Ao início da tarde parecia que a Primavera tinha triunfado, mas com o declinar do dia uma súbita saudade do Inverno tomou conta das ruas. As pessoas encolhem-se um pouco como se isso servisse de esconjuro contra o frio e seguem os seus caminhos, como se nelas houvesse um propósito, uma causa final que as movesse e desse sentido à vida. Parei no passeio e deixei-me ficar a olhar o que se passa na avenida. As árvores ainda estão despidas, noto. A iluminação pública já invadiu a atmosfera e a noite, tecida de tafetá escuro, prepara-se para, gloriosa, cair sobre o dia moribundo. O melhor será ir para casa, pensei, enquanto alguém me acenava ao fundo e, de imediato, desaparecia devorado pela pobre penúria da escuridão. Uns adolescentes passam do outro lado rua como se tivessem toda a eternidade pela frente, riem alto e assustam um gato que, desconfiado, se esconde debaixo de um carro estacionado. É noite.

quarta-feira, 21 de março de 2018

Estultícia


Há pouco, quando passei pela avenida marginal a caminho de casa, perguntei-me, agora que a Primavera se instalou segundo a ordem do calendário, quanto tempo faltará para essas horas de grande ilusão que são os dias dos castanheiros em flor. A palavra ilusão desencadeou em mim uma associação de ideias e fez-me retornar aos primeiros anos em que exerci, vindo da faculdade, a minha profissão. A ilusão, que eu não sabia que o era, residia em pensar que o ser professor me iria dar tempo para fazer longas e demoradas leituras. Nos primeiros anos – seriam os verdes anos profissionais – a ilusão não se desfez e eu ia partilhando com os meus alunos aquilo que ia descobrindo. Anos mais tarde descobri que isso era como o florescimento dos castanheiros na avenida. A ilusão de um instante. A partir de certa altura, ao fim de não sei quantas reformas, um professor quase está proibido de fazer leituras, pois as horas da semana são escassas para tudo o que tem de fazer na escola, para além de ensinar alunos. A forma como a vida escolar se foi organizando, durante a minha vida profissional – pensei, ao fazer a rotunda onde desagua o viaduto de Rio Frio –, parece ter como desígnio a estupidificação dos professores. Quando as árvores florescem a ilusão é magnífica, mas quando a flor cai a realidade mostra as trevas densas que nela habitam. Deveria ter lido Kafka com muito mais atenção. Ele bem me avisou, mas a minha estultícia foi mais forte.

terça-feira, 20 de março de 2018

Equinócio


Consta que ocorreu o equinócio da Primavera. Vi que o acontecimento se deu pelas 16 horas e 15 minutos, segundo informação do Observatório Astronómico de Lisboa. Não dei por nada, mas fiquei mais descansado. As coisas ainda não estão de tal modo que equinócios e solstícios – duas belíssimas palavras, diga-se – se tornem acontecimentos incertos. Quando saí do lugar onde me suportam para que eu possa ter um modo de vida, a cidade não me acolheu primaveril. Limitou-se a deslizar com indiferença pelo tempo, sem esperança nem desespero. E assim também eu passei por ela, sem a olhar nos olhos nem lhe escutar a respiração, para me vir aqui sentar e escrever coisas sem nexo, as únicas que nesta vida valem a pena ser escritas.