Um domingo sem história. Dias sem história são os melhores, pois a história é apenas o trabalho do negativo. Será que estou a sofrer uma recaída? Fui atacado pelo vírus do meu velho hegelianismo? Nunca se sabe. Uma pessoas pensa-se curada, anda anos e anos como se nada fosse, e, de repente, lá volta a doença. Afinal, somos obrigados a constatar, não houve cura. A doença tornou-se crónica, embora sem manifestações aparentes. Há uns tempos a esta parte, tenho pensado nesse negativo. Parece estar destrambelhado no palco da história. Imagino que o ataque do vírus hegeliano se deva ao que se está a passar na peça dramática que se desenrola perante os nosso olhar e, infelizmente, nos engloba e arrasta. Recordei-me, agora, do quadro, de Paul Klee, Angelus Novus, e da interpretação que dele faz Walter Benjamin. Arrastado pela voragem do tempo, o anjo olha fixamente o passado. E o que vê? Uma sequência contínua de catástrofes. É isto o trabalho do negativo. O anjo, consta, gostaria de deter-se para reparar os danos, mas impede-o a tempestade que sopra do paraíso, impelindo-o sempre para o futuro. Ora, nunca me conformo com a minha situação. Sou também impelido com fúria para o futuro, mas não sou anjo, e muito menos anjo da história. Tão pouco sinto o impulso angélico de reparar os danos do passado. Por que razão terei eu de sofrer o destino do anjo? Este foi o pensamento herético que me assaltou, armado de punhal. Não lhe resisti. Será isto um sintoma de recaída no velho hegelianismo de juventude? Não me parece bom sintoma.Que pena não poder conversar, agora, com meu amigo Padre Lodo, o velho Lodovico Settembrini. Para me confessar? Oh não, não sou dado a confidências. Para combinarmos onde haveríamos de jantar e beber um bom vinho, enquanto a história se rebola por aí.
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