As segundas-feiras são sempre dias de queda. Queda? Sim, na realidade. Os fins-de-semana são um mergulho num mundo de ficção, a entrada na fantasia de que superámos a fase existencial da humanidade governada pela estrita necessidade. É uma doce e calorosa quimera, que entra em nós, se aninha e que, quando a velha necessidade, com o seu ar de bruxa imperativa, bate à porta, ela recusa-se a abri-la. Contudo, a porta abre-se e a matrona inexorável toma conta da cena, arrastando-se, e aos mortais com ela, pelo palco. Os homens habituam-se e, por vezes, tornam-se colaboracionistas, vendendo a sua liberdade ao império inimigo. Contudo, mesmo os mais contumazes agentes da utilidade sentem uma inquietante estranheza às segundas-feiras. O que se dirá de mim, eu que faço parte da resistência? É um choque traumático. Só não sou levado ao divã do psicanalista porque não tenho inclinação nem para a confissão nem para ficar traumatizado por mais do que umas horas. Como se sabe, todos nós somos habitados por outros seres, aos quais, à falta de melhor, dei o nome de homúnculos. Sócrates tinha um daimon, um génio; eu, por um homúnculo. Ao contrário do que morava no filósofo ateniense, o meu não é benfazejo. Está sempre a desmontar o meu discurso. Desconfio, que foi discípulo de Derrida, ou que anda a ler aqueles tratados soporíferos saídos da imaginação de um francês dispensado de pagar tributo à necessidade. Estava eu a dizer que não sou dado a confissões nem inclinado a traumas, logo ele começou a gargalhar, perguntando-me se estes escritos não são confissões. Por uma vez, cheguei para ele. Respondi-lhe: claro, são confissões, mas sem confessado. Ele calou-se, foi ler o De la grammatologie e deixou-me em paz. Por uma vez, saí vitorioso. O pior é que isso não me devolve a doce quimera que estava no meu coração e que a megera expulsou. Por uns dias, espero.
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