domingo, 8 de junho de 2025

Tornar-se inocente

Passei a manhã de domingo a trabalhar e ainda tenho umas coisas para ultimar. Não sei o que me deu para tal heresia. Os domingos são dias em que se deve – segundo um imperativo categórico – praticar o ócio. Contrariamente ao que proclama certo espírito mundano, o ócio não é a fonte de todos os vícios, mas a origem de muitas virtudes. Era o que os gregos pensavam. E não estavam errados. Aliás, os velhos gregos estavam certos em muitas coisas, apesar de haver quem os considerasse como eternas crianças, sem sabedoria das coisas antigas, das velhas tradições. Nesse aspecto, a tradição grega encontra-se com a judaico-cristã e o imperativo crístico Deixai vir a Mim as criancinhas, porque delas é o Reino dos Céus. Em ambos os casos, a sabedoria não deriva da autoridade dada pelo tempo, mas reside numa espécie de inocência, a qual seria a garantia de uma visão não enviesada, de um olhar directo para as coisas mesmas. Essa inocência originária, como todos sabemos, perde-se rápida e facilmente. A grande tarefa que fica para a vida será a de se tornar inocente. Isso não significa recuperar a inocência que se perdeu, mas instalar-se numa outra que, ao contrário da primeira, conhece a culpa e fez o caminho através dela. A tarefa existencial não é permanecer inocente, mas conquistar a inocência, esse olhar não enviesado para as coisas, esse contacto directo com aquilo que é. Os gregos, com a sua arte, religião e filosofia, representavam as criancinhas do texto evangélico. Aquilo que se abre aos descentes dos gregos, agora que transportam vinte e cinco séculos de culpa aos ombros, é tornarem-se crianças, não porque seja essa a sua situação, mas porque esse é o desígnio que elegeram.

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