domingo, 9 de março de 2025

Mercearias e livrarias

Saiu há pouco o meu neto e os pais. Comentámos as peripécias do râguebi de ontem, onde a chuva e o frio puseram os jogadores, do alto dos seus seis anos, sem vontade de jogar, de fazer placagens, de correr com a bola até ultrapassar a linha de ensaio e pressioná-la contra o solo, como se a quisessem enterrar. Do râguebi lembrava-se das peripécias; da escola, apenas de que tinha brincado com os amigos. Enfim, talvez a escola seja uma continuação do râguebi, ou este um prolongamento dos intervalos, onde as aprendizagens a fazer não são aquelas que a sociedade valida. Um presente – um presente envenenado. Um livro para ler em casa e, depois, contar a história ao telefone aos avós, que, os pobres, não conhecem a história do terrível cão pulgão. Retrocedi aos meus primeiros livros. O mais antigo que recordo era em pano, com as cinco vogais. De todas elas, só me lembro do "a" e da inevitável águia. Os motivos que ilustravam as outras desapareceram, tragados pelas décadas. Quando penso em livros de papel, as recordações são muito difusas, embora curiosas. Edições Romano Torres, colecção Formiga – será possível? – Aventuras do Pinóquio. O mais curioso é que esses livros se compravam numa mercearia que, ao lado daquilo que as mercearias tinham, também vendia livros. Mais: fazia gala de ter uma montra apenas com livros. Uma coisa extraordinária, que nunca vi em mais lado nenhum. A minha primeira livraria vendia azeite, batatas, bacalhau, açúcar, petróleo, talvez também tecidos, linhas e coisas do género. É possível que os hipermercados não tenham descoberto nada, apenas pegaram numa ideia corriqueira e engordaram-na até se tornar naquilo que é. Um pouco mais tarde, acabada a escola primária, ao lado de casa, a caminho do colégio, passava pela tal mercearia e ficava a olhar para a montra. Os livros fascinavam-me. Pensava nos que leria. Terei lido uns e esquecido muitos outros. O meu neto só por acaso saberá o que é uma mercearia. Espero, porém, que descubra – se ainda não o fez – o que é uma livraria a sério e não um armazém de livros. Um dia destes, terei de fazer com ele uma visita guiada a uma livraria de Lisboa, uma daquelas que frequentei e que ainda não morreram.

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