Saiu
há pouco o meu neto e os pais. Comentámos as peripécias do râguebi de ontem,
onde a chuva e o frio puseram os jogadores, do alto dos seus seis anos, sem
vontade de jogar, de fazer placagens, de correr com a bola até ultrapassar a
linha de ensaio e pressioná-la contra o solo, como se a quisessem enterrar. Do
râguebi lembrava-se das peripécias; da escola, apenas de que tinha brincado com
os amigos. Enfim, talvez a escola seja uma continuação do râguebi, ou este um
prolongamento dos intervalos, onde as aprendizagens a fazer não são aquelas que
a sociedade valida. Um presente – um presente envenenado. Um livro para ler em
casa e, depois, contar a história ao telefone aos avós, que, os pobres, não
conhecem a história do terrível cão pulgão. Retrocedi aos meus primeiros
livros. O mais antigo que recordo era em pano, com as cinco vogais. De todas
elas, só me lembro do "a" e da inevitável águia. Os motivos que
ilustravam as outras desapareceram, tragados pelas décadas. Quando penso em
livros de papel, as recordações são muito difusas, embora curiosas. Edições
Romano Torres, colecção Formiga – será possível? – Aventuras do Pinóquio.
O mais curioso é que esses livros se compravam numa mercearia que, ao lado
daquilo que as mercearias tinham, também vendia livros. Mais: fazia gala de ter
uma montra apenas com livros. Uma coisa extraordinária, que nunca vi em mais
lado nenhum. A minha primeira livraria vendia azeite, batatas, bacalhau,
açúcar, petróleo, talvez também tecidos, linhas e coisas do género. É possível
que os hipermercados não tenham descoberto nada, apenas pegaram numa ideia
corriqueira e engordaram-na até se tornar naquilo que é. Um pouco mais tarde,
acabada a escola primária, ao lado de casa, a caminho do colégio, passava pela
tal mercearia e ficava a olhar para a montra. Os livros fascinavam-me. Pensava
nos que leria. Terei lido uns e esquecido muitos outros. O meu neto só por
acaso saberá o que é uma mercearia. Espero, porém, que descubra – se ainda não
o fez – o que é uma livraria a sério e não um armazém de livros. Um dia destes,
terei de fazer com ele uma visita guiada a uma livraria de Lisboa, uma daquelas
que frequentei e que ainda não morreram.
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