No último dia do mês de Abril, escrevi o seguinte: O mês finda tempestuoso, uma revolta inútil contra o destino. Maio termina sem tempestades, mas o calor que escorre pelos telhados da cidade é pior que uma tempestade. Nada que demova os adolescentes de virem adolescer para a praceta aqui em baixo. Eu compreendo, também devo ter sofrido da mesma doença, embora já não me recorde como fui afectado, como afectei outros e como suportei tudo isso. Imagino que sem garbo, pois não há doença manos propícia à manifestação de condutas garbosas do que a adolescência. Agora, que tenho largas dezenas de anos em cima do evento, consigo imaginar que D. Quixote, o cavaleiro da triste figura, é o símbolo da adolescência – no masculino, entenda-se. Fazem-se tristíssimas figuras, enquanto no cérebro – ainda pouco desenvolvido – se forma a fantasia de que se é um herói. Não consigo recordar-me se, na minha adolescência, me encaixava no arquétipo. Não, estou a mentir. Claro que encaixava, com a minha fixação nas corridas de fórmula 1. Por certo, não deixaria de me imaginar um Jackie Stewart, o escocês voador, meu herói daqueles anos. Claro que não era o único. Havia outros, uns vindos do futebol – desporto para o qual nunca tive qualquer dote –, outros das leituras, todos eles D. Quixotes, por certo, na minha avaliação enviesada pela idade e o estado patológico em que me encontrava. O certo é que sobrevivi. Se bem ou mal, isso já é outro assunto. Há muitos homens – as mulheres são menos afectadas – que tornam a doença crónica. Ficam adolescentes toda a vida. Nisto não há qualquer juízo moral. Cada um sobrevive como pode, desde que não aborreça o próximo. Os D. Quixotes continuam a gritar, pois têm dificuldade em controlar as ondas sonoras. Um dia destes terão aprendido a fazê-lo, mesmo que sejam eternos adolescentes.
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