quinta-feira, 22 de maio de 2025

Paisagens emaranhadas

Há títulos fascinantes. Já o disse aqui. Terei de me conter nesta repetição, não vá supor-se que se trata de algum fétiche. Lembrei-me desse fascínio ao ler um título de Herberto Helder: A Máquina de Emaranhar Paisagens. Fico a contemplá-lo e vejo uma paisagem a dobrar-se e a desdobrar-se, num ritmo caótico. Depois, olho com mais atenção e descortino a máquina que gera a paisagem, mas tudo nela é desconcertante. Um batalhão de engenheiros – percebe-se que são engenheiro pelo modo como olham e pelos gestos que fazem – conferencia, como se quisesse encontrar uma estratégia para curar a máquina do seu desvario. As pessoas não o sabem, mas qualquer paisagem é produzida por uma máquina. Enquanto a máquina  funciona bem e a paisagem não se emaranha, ninguém percebe como são produzidas as paisagens. Pensam que são coisas naturais para os nossos olhos contemplarem. Só quando a máquina se avaria e a paisagem se emaranha, é que os mais atentos descobrem a verdade. Ficam tão atónitos que não acreditam no que vêem. Angustiados, tomam a decisão de não partilhar o segredo com ninguém. A partir desse dia, elevam os olhos aos céus e, numa oração sentida, imploram à divindade que a paisagem jamais se emaranhe.

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