sexta-feira, 16 de maio de 2025

Ratos

Há, na humanidade em geral, uma propensão para o conflito com os ratos. As causas dessa antiquíssima guerra, desconheço-as. Também eu tenho um conflito com os ratos. Seriíssimo, cada vez mais evidente. Não com os animais assim designados, mas com os mecânicos. Melhor: com os ratos electrónicos de que me sirvo para interagir com o computador. Juro que os trato bem. Não lhes faço sevícias — sou um defensor de que temos deveres para com os animais —, não os insulto, não vão eles precisar de psicanálise. Alimento-os adequadamente com a energia de que necessitam. Mais: equipo-os com um tapete apropriado, para que não entonteçam quando trabalham. Em mim, não há nada, no seu tratamento, que a minha consciência me censure. Pelo contrário: chega a confessar-me que os trato bem demais. Estrago-os com os cuidados que lhes dispenso. A minha consciência, claro, é minha e tende a ser benevolente comigo. O resultado de tudo isto é que eles insistem em avariar-se. Uma avaria num rato electrónico equivale à morte de um biológico. Por vezes, sinto-me culpado, como se fosse um assassino de ratos. Não sou, apesar de eles morrerem. Neste momento, estou a passar por uma experiência ainda mais dolorosa. Há tempos, após o óbito declarado de mais um, comprei outro, todo catita — que se me perdoe a expressão. Tinha entrado numa excelente relação com ele, com as suas funções. Tudo estava a correr bem, até que ontem começou a dar sinais de doença. A certa altura, recusou-se a trabalhar. Consegui — de forma pouco ortodoxa — reiniciar o computador. Ele deu sinais de vida, mas continua a comportar-se como se as funções vitais se estivessem a extinguir. Olho-o e penso se não serei hospedeiro de um vírus mortal que, não se manifestando em mim, se transmite aos pobres ratos electrónicos, que não param de falecer às minhas mãos ou, para ser mais exacto, à minha mão. O problema é que me esqueço sempre de guardar a garantia, pois, com candura e ingenuidade, nunca me lembro de que a probabilidade de o novo rato sofrer uma síncope antes de atingir dois anos de idade é elevada, caso me pertença. O que me vale é que tenho sempre um de reserva. Nem para os ratos electrónicos a vida está fácil.

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