Passei a tarde em vídeo-reuniões, um exercício tendencialmente tenebroso, devido à poluição sonora. As vozes, muitas delas agudas, tornam-se alfinetes que se espetam não apenas no almofadado dos tímpanos, como no casco mais duro da alma. O assunto que ali reúne a distinta assembleia torna-se — passados os primeiros minutos — secundário, e todos os esforços se concentram na salvação dessa alma. Um exercício de soteriologia à margem dos desígnios salvíficos que ali nos reunia. Tudo isto depois de uma manhã em que tentei chegar a acordo sobre o dia da minha libertação, isto é, aquele dia em que os deveres para com a necessidade ficam cumpridos e entro naquela fase da existência em que passo ao estado de aposentado — ou seja lá o que for. O problema é que eu queria um certo mês específico. Nem antes nem depois. O que os serviços me informaram foi extraordinário: tanto pode ser antes como depois. A única coisa que evitaram afirmar foi que pode ser mesmo naquele mês que seria conveniente para mim e para a instituição. A sensação com que fiquei foi que tudo se decidiria por um acaso. Talvez exista um funcionário que faça um sorteio, e os processos sejam concluídos em conformidade com o número da sorte. Para tudo é preciso ter sorte. Eis mais um exemplo justificador da sabedoria popular. Cansado de sorteios e de alfinetes sonoros, fui fazer a minha caminhada, enfrentando, como Quixote enfrentava gigantes, um vento frio, persistente, pouco amigo de quem cuida da saúde. Talvez o vento desconfie da minha inclinação para cuidar de mim e, mal me vê na rua, se ponha a soprar. Só para me testar. Só pára quando me aproximo do fim. Dá-se por satisfeito e suspende a provação. São assim os dias de província. Mas em que sítio do mundo não é província? Nenhum, ouço.
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