Dobrámos o meio de Junho e preparamo-nos para lançar âncora no porto do Estio. Então, os dias começarão a diminuir. Cheguei tarde a casa, vindo de Lisboa, e antes de escrever fui fazer a minha caminhada. A noite tinha-se apossado da cidade e, apesar da iluminação pública, as pessoas eram apenas vultos, sombras sorrateiras. No percurso escolhido, há uma capela dedicada a Santo António, por certo o de Lisboa; aqui não haverá devotos do santo em versão paduana. No átrio, vivia-se ainda o rescaldo das festas em honra do santo. Havia farturas à venda numa roulotte à beira da estrada. Não se pense que caí na tentação. Passeio ao largo. Num palco, alguém cantava uma música que passa por popular, mas que é apenas um exercício de mau gosto, esse mau gosto que se apossou da cultura popular e que transbordou para todo lado. Passei rápido, não fosse contaminado por algum vírus. Entrei na avenida, e conforme ia andando chegava até mim o perfume doce e intenso das flores das tílias. As árvores estão belíssimas, mas o aroma é enjoativo. Haverá quem goste. Apesar dessa leve disfunção aromática, sentia-me bem, penetrando solitário na solidão da noite. Enquanto contemplava a pujança das tílias, lembrei-me dos jacarandás da 5 de Outubro, já sem o esplendor que devem ter tido há uns dias. Além de terrível, a beleza é efémera. Por vezes, não há nada melhor do que uma trivialidade para dizer o que as coisas são. Aliás, haverá coisa mais trivial do que o ser, esse objecto último de toda a meditação filosófica?
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