Uns dias fora e, quando chego a casa, as orquídeas estão todas doentes, moribundas. Foram atingidas por uma pandemia para a qual desconheço vacina. Talvez o número seja excessivo e a competição pelo título de a mais bela do ano as tenha enfraquecido, lançando-as num estado depressivo que se apodera das flores e das hastes onde brotam os botões. Em contrapartida, o jacarandá da praceta do outro lado da avenida está exuberante, de uma beleza inominável. O facto de ser inominável deve-se apenas a uma incapacidade minha para a nomear. Poderia encontrar metáforas, mas serão as metáforas um nome? Talvez todos os nomes não sejam mais do que metáforas. Dar nome não à beleza, mas às coisas belas, é um exercício difícil. As palavras estão gastas. O melhor seria inventar uma palavra para a beleza específica daquele jacarandá. Contudo, há um problema: a beleza que entrevi há pouco não será a mesma que ele terá ao crepúsculo, o que me obrigaria a inventar uma nova palavra, a qual também não seria adequada para a beleza que a árvore ostentará na aurora de amanhã. É aqui que nascem todos os equívocos linguísticos. A realidade está em constante metamorfose – em leitura hegeliana, dir-se-ia: está em devir –, mas a linguagem é muito mais lenta na sua adaptação a essa realidade. Eu mantenho o nome desde que nasci, mas eu não sou aquele que nasceu há tantas décadas. Sou outro, continuamente outro, o que implicaria que tivesse de mudar continuamente de nome. Em linguagem política – Honi soit qui mal y pense –, a língua é conservadora, a realidade é revolucionária. Isto tem implicações extraordinárias: os revolucionários odeiam a língua; os conservadores, a realidade. Por mim, não odeio nem a língua nem a realidade. Sofro-as como posso, com a paciência de um santo, a qual não é outra coisa senão um compromisso que compatibiliza os ardores revolucionários da realidade com a gélida solidez da língua. O pior é que a realidade está a destruir as orquídeas cá de casa e não tenho palavras para solidificar a sua beleza.
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