De súbito, sem razão aparente, interessei-me por um assunto que nunca me tinha interessado: o regicídio de 1908. Não se trata de um interesse político, da querela entre monárquicos e republicanos. Também não se trata de um interesse técnico — desde o planeamento e a execução dos homicídios até à completa inoperância de todas as estruturas que teriam, em todos os momentos, de defender a família real. O que, de modo inesperado e intempestivo, se acordou em mim foi tentar perceber como é que as pessoas sentiram o acontecimento. Como vibrou ele no espírito de monárquicos e de republicanos? Como repicou no coração popular? Este tipo de interesse não é diferente de um que tivesse por objecto compreender como ressoou, na consciência das pessoas, o terramoto de 1755. Aparentemente, são dois casos bastante diferentes — um de ordem natural, fruto das leis da natureza; outro, de ordem cultural, resultado da agência dos homens. Também os diferencia o grau de devastação humana. Contudo, estes acontecimentos atingem o espírito das pessoas e ficam por lá, enquanto elas o ruminam. E é esta ruminação acerca do regicídio que, de um dia para o outro, me interessou. Muitas vezes procura-se definir qual terá sido o acontecimento mais importante de um dado século. Talvez o acontecimento decisivo do século XX português tenha sido o assassinato dos dois Braganças. O que é que esse assassinato — não o facto, mas a sua repercussão nas consciências — diz de nós? Não sei se a resposta — por muito matizada que seja — será agradável.
Sem comentários:
Enviar um comentário