Feriado. Dia de Portugal. Uma coisa estranha. Se há um dia de Portugal, esse é o 5 de Outubro. Foi nele que começou a monarquia portuguesa – a fundação da nacionalidade – e foi nele que começou a república. É uma data que contentaria monárquicos e republicanos. Se, um dia, Portugal se tornar numa teocracia, será também a 5 de Outubro. Estou a entrar num território perigoso, o qual me está vedado. Sou um narrador isento de paixões políticas. Também ainda não percebi que paixões o autor me permite. Provavelmente, nenhumas. Quer-me asceta. Um asceta do discurso, e este blogue é o meu ermitério. De resto, reconheço, confere-me alguma liberdade. Os disparates são-me permitidos, bem como as coisas mais singulares e destituídas de sentido. Acabei de chegar de uma festa de aniversário, um exercício social que me é cada vez mais penoso, isto é, sentido como uma pena, resultante de uma sentença proferida por um juiz anónimo, por um delito metafísica que, juro-o, não cometi. Ou talvez tenha cometido, mas não tenho consciência dele. Como se sabe, há dois tipos de crimes. Os físicos e os metafísicos. Os físicos são aqueles que todos conhecemos, os que enchem os tribunais de uma actividade inesgotável, onde juízes, procuradores, advogados e oficiais de justiça ganham vida, sabe-se lá por que crime cometido. Os crimes metafísicos são os piores, mas ninguém sabe quais são. Uma pessoa, a certa altura da vida, é acusada de um crime metafísico, todavia os autos são omissos na tipologia do crime. Isto não me sucedeu só a mim. Foi o que aconteceu a Joseph K. O crime que ele cometeu tinha uma natureza metafísica, mas o que ele fez, realmente, ninguém sabe. Só se sabe que é culpado porque sofre uma pena. Muitas das coisas que temos de fazer, ao contrário do que ingenuamente se pensa, não são deveres sociais. São condenações por crimes metafísicos. Aliás, deveríamos pôr fim a uma disciplina como a Sociologia. Substituí-la pelo estudo do código penal metafísico. Imagine-se um grande jogador de futebol, um daqueles que é idolatrado por milhões de adeptos. Em vez de lhe investigarmos o talento, deveríamos antes perguntar: que crime metafísico cometeu para fazer da vida uma correria atrás da bola? O que se diz de um jogador de futebol, pode dizer-se de um médico, de um engenheiro, de um poeta, de operário da construção civil. Em vez da sociologia das profissões, deveríamos instituir uma hermenêutica que conseguisse interpretar, a partir da profissão exercida, bem como da vida social, os crimes metafísicos de que a pessoa é culpada. As pessoas, por vezes, têm a veleidade de terem escolhido uma profissão. Pura fantasia para ocultar que são condenados metafísicos e a profissão é as grilhetas que manifestam a sua natureza de condenado. O que é válido para os indivíduos, é-o também para as nações. De que crimes metafísicos Portugal foi acusado e condenado para ter o seu dia a 10 de Junho. Se soubéssemos responder a esta questão teríamos uma informação mais preciosa sobre a nossa natureza do que se tivéssemos a mais completa e rigorosa história da nacionalidade, desde o 5 de Outubro de 1143 até ao dia de hoje.
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