Hoje, estive quatro horas em videoconferência, uma modalidade branda de enlouquecer. Não, equivoquei-me. A modalidade não é branda, mas áspera. Sendo assim, a loucura que me calhar será também ela áspera, crespa, rugosa. Talvez acre e ácida ao mesmo tempo. Se enlouquecer desse modo, a culpa não será minha. Tão pouco, dos genes recebidos, pois são genes muito bons. Quero dizer: são os melhores que consegui, embora sem fazer nada para isso. A culpa do meu futuro enlouquecimento não poderá ficar solteira, mas temo que nessa altura não saiba qual o marido com que devo acasalá-la. Talvez nem consiga para ela uma simples união de facto. Agora, poderia casar esse hipotética culpa com o videoconferenciar. Contudo, como ainda não estou louco, não há culpa, embora haja marido – ou parceiro – para ela, que até lá terá de se entregar à abstinência. O casamento exige a mais pura virgindade. A culpa e o videoconferenciar descobrirão um com o outro os factos da vida. Também é possível que a vida não tenha factos e, por isso, não haja nada para descobrir. Pode-se argumentar que este texto anuncia que o videoconferenciar não ficará abstinente por muito tempo. Cada um que julgue, mas poupem-me os pormenores. Se estou a ficar louco, uma presunção sem fundamento, quero entrar nessa fase da existência sem saber. A ignorância é uma amante virtuosa, mais do que a inocência.
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