Gosto de ver o mar, mas tenho um conflito insanável com idas à praia. Nem sempre foi assim, mas deu-se em mim uma lenta metamorfose que me conduziu do amor – na verdade, uma amizade moderada – a uma indiferença e sensação de desconforto. Não odeio idas à praia, pois para isso teria de ter tido uma paixão avassaladora. Nada disso. A conjugação entre sol e areia não é a coisa que mais me agrada. Passo semanas junto ao mar, mas não ponho um pé na areia. Já a frequência de um bar de praia me é agradável. Posso ficar sentado a ver a ondulação, a espreitar o horizonte, a tentar decifrar o que se esconde para lá da linha. As pessoas, confesso, não me interessam particularmente. Prefiro, perscrutar o movimentos dos barcos ou o voo das gaivotas. Só o meu neto terá poder para me arrastar para a praia. As netas já passaram essa idade e dispensam a minha companhia. Na verdade, bastam-se a si mesmas, como qualquer adolescente. Uma está já a abandonar a fase da adolescência. Contudo, gosto de fazer longas caminhadas perto do mar. A terra é o meu elemento, é nela que sinto o meu fundamento existencial, mas a água não deixa de exercer sobre mim um grande fascínio. Tudo isto poderia ser interessante, caso não fosse uma ficção. Quando alguém – talvez já com pouco controlo da sua saúde psíquica – se propõe escrever todos os dias, o mais natural é que venda a alma ao diabo. Não, não, não se trata de um pacto digno de Fausto, mas apenas o exercício de uma pequena venalidade: a mentira. Escrever ficções – grandes ou pequenas – é dispor-se a mentir. A partir de certa altura, mentir torna-se um imperativo, pois quanto mais falso for o discurso, mais verdadeiro será percebido. É esta a glória da ficção: mostrar como verdade aquilo que é falso. Foi por isso que Platão, ébrio pelo desejo de verdade, propôs a expulsão dos poetas da cidade. Não sou poeta, mas, no meu anonimato, sou dado à falsificação da realidade. Será que gosto de ver o mar? Será que não gosto de à praia? Seja qual for a resposta que dê a estas perguntas, ela será falsa.
Exato! Ou não... Há quem busque a obviedade na arte e para esses um nicho e há outros, uns que me faltam adjetivos, preciso ainda viver para descobrir, acabei de nascer.
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