terça-feira, 2 de setembro de 2025

Doença, morte, política

Recebi hoje um grosso volume com as cartas de Rainer Maria Rilke sobre política. A primeira carta, enviada de Praga, é de 29 de Janeiro de 1896, e a última, enviada da clínica de Val-Mont, s/Terriet, p. Glion (Vaud), no dia 21 de Dezembro de 1926. O poeta morrerá oito dias depois, a 29 de Dezembro. A carta — apenas algumas linhas — é dirigida ao poeta Jules Supervielle, como agradecimento de algo não especificado. Não há, em momento algum, qualquer alusão à política. A carta começa dizendo: Gravemente doente, dolorosamente, miseravelmente, humildemente doente… O que há nela é a declinação em vários tons da doença, o pressentimento da iminência da morte. Dir-se-á que, no âmbito de uma biopolítica, nem a doença nem a morte estão fora da política. Pelo contrário, estão no seu centro, são o seu tema decisivo. Mesmo a doença e a morte privadas de um poeta são casos políticos. Não encontro outra explicação para que os editores tenham integrado a mensagem para Supervielle no âmbito da correspondência rilkeana sobre política. Muito provavelmente, Rilke terá morrido na clínica. Esta, porém, ainda existe. Comemora os 120 anos. As instituições são mais duradouras do que os homens. Isso é uma coisa boa, pois, quando um ser humano vem ao mundo, precisa de instituições que o acolham e dêem um significado, mas não um sentido, a essa vinda à existência.

segunda-feira, 1 de setembro de 2025

Um regresso

De regresso a casa, escutava a Antena 2. Um programa sobre a música no cinema. O de hoje era dedicado a uma obra extraordinária, a Flauta Mágica, de Ingmar Bergman. Um filme que faz cinquenta anos. Ora, vi-o pela primeira vez, ainda nos anos setenta do século passado, no cine teatro daqui, num ciclo dedicado ao cinema do realizador sueco. Bergman não se limitou a gravar uma ópera, produziu uma obra de arte onde a ópera de Mozart, a encenação teatral e a sua linguagem cinematográfica se conjugaram para produzir qualquer coisa que me deixou completamente perplexo. Claro, a célebre ária onde a Rainha da Noite, Birgit Nordin, atormenta Pamina, a filha, mas também as figuras de Papageno e de Sarastro, ou o próprio conteúdo iniciático da ópera de Mozart. Foi também nesse ciclo que vi, pela primeira vez, Morangos Silvestres, talvez o filme de Bergman que mais vezes vi. Já não consigo precisar o ano em que isso aconteceu e uma pesquisa online não me forneceu qualquer indicação. Talvez porque um ciclo de Bergman numa vila de província seja uma coisa inverosímil, uma espécie de sonho ou uma fantasia. Caminho para a idade de Isak Borg, o protagonista de Morangos Silvestres, mas ainda não terei atingido a sabedoria de Sarastro, da Flauta Mágica. A cada um os seus limites e também as suas perfeições.