Não posso dizer que o cumprimento do meu direito e dever de
votar tenha sido particularmente espinhoso. Bastou-me sair do prédio, atravessar
a avenida e entrar na escola onde me esperava a urna e o boletim de voto, onde
havia de expressar a minha escolha do produto que decidi comprar no mercado
eleitoral. Eu sei que não devia contaminar as nobilíssimas questões cívicas com
o tagarelar rude e interesseiro da economia, mas hoje acordei com aqueles
versos do Pessoa que dizem: Ai que prazer
/ Não cumprir um dever. Votar, votei, mas agora desforro-me com estas
contaminações despropositadas. O dia está quente e as pessoas das secções de
voto parecem ter inscrita nos rostos a saudade da beira-mar. Somos um povo
atlântico e é com grande sentido de dever que há quem troque o oceano pelos
cadernos eleitorais, o abrir e fechar daquela fina ranhura por onde o nosso
voto entra para se despenhar no buraco negro das contagens eleitorais. Também
eu, há muitas décadas, fiz parte das mesas das secções de voto. Depois,
evaporei-me, embora as visite sempre com ar sério e não sei se compungido. Saí
da secção de voto como quem sai de um confessionário, com alma limpa e pronto
para a penitência.
E continuando no universo, agora no universo pequenino do nosso ínfimo planeta azul: será que a Europa também se vai despenhar num buraco negro, mais uma vez?
ResponderEliminarMas o HV fez bem não cumprir Pessoa hoje :)
Maria
Parece que a Europa resiste e o Pessoa era um provocador, um grande provocador.
EliminarHV