sábado, 14 de outubro de 2023

Naturezas mortas

Na sala, há quadros com motivos de caça. São aves mortas por um tiro certeiro penduradas numa parede. Verdadeiras naturezas mortas. Estou fora do meu ambiente, estranho as pinturas. Pertencem a um mundo que, definitivamente, não é o meu. Como todos nós, sou descendente de caçadores-recolectores. Sem a caça a espécie não teria sobrevivido e eu não estaria a escrever estas palavras. Imagino, porém, que alguma coisa se terá perdido no caminho. Talvez os nossos antepassados caçassem num acto ritual e ficassem gratos à vítima por lhes dar a sua carne e a possibilidade de continuarem a viver. Hoje a caça, continuo a devanear, é um exercício fundado não na estrita necessidade, mas na satisfação de um prazer egoísta, que encontra o seu objecto na morte do animal. Não haverá diferença para os animais que morrem, mas a forma como são mortos afecta o espírito e manifesta o carácter de quem os mata. É o que me ocorre neste sábado, em que me perdi por terras do Alentejo, onde tudo parece pertencer a um outro mundo, mais branco, mais silencioso, mais lento, mas talvez mais dissimuladamente violento.

2 comentários:

  1. Gostaria de ter a coerência de Elisabeth Costello quanto aos animais. Porém, não sou vegetariana. Tenho um frango a assar no forno. Isto pode ser terrível, de um certo ponto de vista, e delicioso num outro. Confesso que, há muitos anos, venho a exercitar isto: aquilo que nomeamos, seja uma galinha, uma perua, ou um cordeiro, é diferente da abstração de uma peça de carne anónima, embalada e limpa.

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