sexta-feira, 2 de fevereiro de 2024

Da euforia à apatia

O mundo anda inflamado, ouvi. Como a conversa não era comigo, assenti, mas apenas mentalmente, sem deixar transparecer concordância ou, tão pouco, ter escutado a afirmação. Depois, o pensamento, o meu, apresentou a si mesmo a natureza da inflamação, o calor deste Inverno. Parece ainda não ter sido descoberto um anti-inflamatório eficaz para estas perturbações, pensei. Sexta-feira, o dia desliza insensato para o seu fim e eu acompanho-o, sou arrastado pela voracidade que se apoderou do calendário. Há pouco subi e desci uma certa artéria da capital. Fi-lo propositadamente devagar, tentando enganar o tempo e esperando que ele diminuísse a sua marcha. Manteve-se impávido, ignorando-me, ignorando a minha estratégia, fazendo finca-pé na fidelidade que tem às dimensões das suas divisões, recusando-se a que um segundo dure mais que um segundo. Esta recusa, arrasta todas as outras. Como se vê, a fidelidade nem sempre é uma virtude. Por falar em fidelidade, disse o padre Lodo, com quem almocei e contara a minha artimanha, li que o mundo está a renunciar ao sexo, que se passou da euforia da libertação sexual à apatia da libertação do sexo. No meu país, a Itália, prosseguiu vivaz, os estudos mostram que um milhão e seiscentos mil jovens, entre os 18 e 35 anos, nunca tiveram qualquer relação sexual e que um terço dos jovens até aos 25 anos apenas teve sexo virtual. Há 220 mil casais estáveis, nas mesmas idades, que são sexualmente abstinentes. Isto é um problema, exclamou. Olhei-o divertido. Parece que a revolução sexual dos anos sessenta foi muito mais eficiente em gerar o desprezo pelo sexo do que a prédica de dois mil anos da Igreja, respondi. Olhou-me compadecido da minha inclinação para a heresia. A Igreja, disse, nunca desprezou o sexo, apenas quis fazer dele uma coisa rara e, por isso, valiosa, ripostou. Tão valiosa que deve estar encerrada na esfera das coisas sagradas, concluiu. Sim, sim, disse eu, mas também admitia excepções para os membros do clero. Esses estavam livres da sacralidade do sexo e abstinência era coisa para os outros. Franziu o sobrolho, pegou na garrafa de vinho e ao ler o rótulo, exclamou que o sexo não é tudo na vida e que até na região de Lisboa se encontram óptimos vinhos. Coisa com que concordei sem vontade de proferir nova heresia.

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