Foram-se embora há pouco. Refiro-me às netas, que, durante dois dias, encheram a casa. Agora, tudo está mais vazio e o silêncio que se sente não é benévolo ou inspirador, mas a marca de uma ausência. Depois, tudo vai voltar ao que estava, pois o hábito é uma segunda natureza, e a estadia delas é um rasgão no hábito, uma cesura na segunda natureza, por onde, durantes um instante, é possível recordar uma primeira natureza, mais inquieta e mais irrequieta. O domingo está a caminho do fim, e o horizonte é já o dos dias úteis, embora a utilidade esteja por provar. É nestes momentos, aqueles que antecedem o crepúsculo, que o espírito se abre para uma sabedoria estranha a nós, ocidentais, que andamos desde o século XV a correr atrás de qualquer coisa que nunca sabemos o que é, pois quando pensamos tê-la encontrado, logo descobrimos que há uma outra que vem depois dessa e que é preciso, com urgência, alcançar. Talvez, o problema seja bastante anterior, resida mesmo nos gregos. Aristóteles dividia as ciências entre teóricas e práticas. As primeiras ligavam-se ao conhecimento; as segundas, à acção. Entre estas encontrava-se a Política. Se comprarmos essa tradição com a chinesa, percebemos uma diferença notável. O ideal do soberano não é a acção, mas a não acção. Melhor, o agir não-agindo, a não interferência. Toda a interferência através da acção é já o sinal de uma patologia. É possível que na tradição ocidental também tenha havido um momento em que a acção pela não acção era sinal de sabedoria e forma de ordenar o corpo social, mas ter-se-á perdido. Perdido não apenas na prática quotidiana, mas também na memória. O filósofo alemão, Martin Heidegger, terá vislumbrado essa perda, ao dizer que a filosofia ocidental representa, desde Platão e Aristóteles, um esquecimento do problema do ser. Nesse esquecimento, estará também o esquecimento do agir não-agindo, essa forma suprema de governação de uma comunidade. Coisa que o próprio filósofo não compreendeu ao comprometer-se politicamente com quem se comprometeu, gente pouco recomendável e que fez da acção repugnante a sua forma de estar. Isso, porém, não são contas deste rosário.
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