Referindo-se à teoria da História de Tolstói, Isaiah Berlin, no início do capítulo IV de O Ouriço e a Raposa, escreve: As teorias raramente nascem do vazio. Fiquei longos minutos a olhar para a frase. O meu problema não era o seu sentido, mas as possibilidades que abre quando parece fechá-las. A frase de Berlin diz duas coisas: uma, a que está explícita – a maioria das teorias não nasce do vazio – contudo, diz também que algumas teorias, embora raras, nascem do vazio. Como é possível tirar alguma coisa de onde não há nada? A resposta conhecida pertence ao campo da teologia e da religião: só Deus pode tirar alguma coisa do nada. Foi assim que criou o mundo – do nada tirou o ser. Isto, porém, é matéria de fé e não de análise racional. Nenhuma teoria pode ser extraída do vazio, pois ela, mal se formule, usa palavras, e estas estão longe de serem coisas vazias. Se há coisas cheias – grávidas de uma prole incomensurável – essas coisas são as palavras. Veja-se a quantidade de coisas que existe numa palavra como “casa”. Mais do que isso: não seria possível tirar do vazio uma teoria sobre casas, pois a própria palavra é uma teoria cheia de decisões epistemológicas. É essa teoria que permite excluir na referência de “casa” os garfos, os copos, os planetas, as pulgas, por exemplo. Nenhuma teoria pode ser tirada do vazio, a não ser que Deus se tenha tornado filósofo e decida criar uma teoria a partir do nada. Ora, se a discussão sobre a existência de um Deus é um beco sem saída, menos saída haveria para discutir se, caso Deus existisse, ele poderia ser filósofo. Pode-se pensar que, por aqui, se formulam teorias que, não vindo do vazio, são elas próprias vazias. Sim, é um facto que este narrador tenta criar pequenas teorias vazias. É um objectivo existencial. O problema é que falha sempre: elas contêm sempre qualquer coisa, ainda que errada. Acho que dormi mal. Acordei de um sonho estapafúrdio e fiquei com estes pensamentos, ainda por cima açulados por um vento que não me convidou a fazer a caminhada matinal.
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