Hoje é domingo. Escrevo-o para não me esquecer. Levantei-me cedo e fui caminhar também cedo. O molhe estava livre, mas o nevoeiro era tanto que não se via o farol que termina o espigão que dilacera o mar. Por aí fui, envolto numa penumbra que anunciava o regresso de D. Sebastião. O porto, logo ali, era um belo sítio para que o desgraçado rei chegasse à pátria que o viu partir para nunca mais regressar. Quero dizer: para ainda não ter chegado. Como é hábito seu, D. Sebastião recusou-se a voltar, continua emigrado, ninguém sabe onde, não se importando ele com o ódio tecido em volta dos imigrantes, pois, onde quer que esteja, o nosso rei é um imigrante, que haverá quem queira expulsar, pois não percebe que é um rei, daqueles antigos, um monarca garboso, cavaleiro como D. Quixote. Quando voltar, no dia que lhe der na veneta, vai descobrir que o trono dele foi ocupado por outro, por outros, até por três espanhóis com o mesmo nome — que é a mesma coisa do que não ter nome —, e que agora já não há tronos, que a potestade é republicana e, se ele quiser ser o número um, como era quando partiu, tem de ir a eleições, fazer-se eleger e ser proclamado Presidente da República e, caso tenha talento, estar dez anos a presidenciar, para depois se retirar para Alcácer Quibir ou, se tiver algum trauma com Quibir, poder ser mesmo ali mais abaixo, para Alcácer do Sal, para depois passear pelo litoral alentejano em vez de ir matar mouros e acabar morto, sabe-se lá onde, com o reino a definhar e ninguém sem saber dele, só promessas de que haveria de voltar — e ainda hoje estamos à espera —, e sempre que há grandes nevoeiros, vai tudo para as praias e diz: é desta. Mas nunca é desta. Resta-nos esperar, mesmo aos republicanos, pois também estes têm o seu fraco pelo rei que se perdeu no caminho, não sabe onde é a pátria de onde partiu, falta-lhe um bússola e um mapa, talvez um GPS ajudasse ou o Waze e o Google Maps. Tivesse ele uma Penélope, e faria como Ulisses: voltaria, apesar dos trabalhos, mataria os pretendentes e cairia nos braços da mulher amada, sem notar que o rosto desta já tinha algumas rugas, pois o desejo do seu corpo era tanto que não havia rugas que o matasse. Mas o pobre rei foi desavisado, embarcou para a sua Tróia sem uma Penélope e agora, como uma alma penada, anda perdido por esse mundo — e nós, sempre que há nevoeiro, vamos para as praias à espera dele —, mas ele não volta. Um incómodo, pois uma nação inteira não pode estar sempre a caminhar para a praia só porque está nevoeiro, isso dá cabo da produtividade nacional, o PIB não sobe só porque vamos para a praia, mal um nevoazinha surge no horizonte, e olhamos, olhamos, olhamos, mas se aparece algum barco, não nos traz um rei, apenas sardinha e pouca, ou é um veleiro de um americano em férias, ou é um navio fantasma de corsários mortos há muito. E o PIB fica sempre aquém da expectativas, tudo por causa desta mania de ir esperar um rei que não quer, ou não pode, ou não sabe como voltar.
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