domingo, 2 de outubro de 2022

Tempo térmico

Uma pessoa vai de fim-de-semana e nem dá que Outubro já fez a sua entrada no carrocel do ano. Entra com ganas caloríferas, o que, como é habitual considerar nestes textos, não é coisa boa. É notória a minha limitação de assuntos e há dois que se tornaram triviais. O protesto contra o calor e a lamentação, mais ou menos em forma de elegia, pela passagem do tempo. Esta noite, não seria já bem noite, mas umas seis horas da manhã, enquanto estava envolvido pelo silêncio profundo do campo alentejano, o meu organismo, contra a minha vontade, decidiu acordar e entrar em modo de insónia. Aproveitei para ler mais umas páginas de um livro do físico Carlo Rovelli e aí vejo coisas que, apesar de não as entender, também não deixaram de me espantar. Ele escreve: Todas as vezes que se produz um fenómeno que atesta a passagem do tempo, há algum calor produzido. E calor é tirar as médias de muitas variáveis. Aqui, ele fez uma pausa, isto é, fechou o parágrafo e, de seguida, abriu outro. Faltava o melhor e o melhor era o seguinte: A ideia de tempo térmico é inverter essa observação. Ou seja: em vez de tentar entender por que o tempo produz dissipação em calor, perguntar-se por que a dissipação do calor produz o tempo. Confesso que entendi cada uma das palavras e mesmo todas as frases escritas. De resto, não entendi mais nada. Ainda por cima, ele fecha esse parágrafo para falar do génio de Boltzmann. Seja como for, fiquei siderado por essa conjugação entre calor e tempo, pela dissipação do calor produzir o tempo e ainda mais pela expressão tempo térmico a qual tem toda a aparência de uma metáfora, ainda por cima sublinhada por uma aliteração em ‘t’. A física é uma ciência maravilhosa, só é pena que dela não saiba nada. Não se pense que estive o tempo todo, devido à perda de calor do meu organismo, a pensar nisto. Depois de algumas páginas de Rovelli, lá adormeci por mais uma hora e só agora, chegado a casa e sentando-me no escritório, me lembrei dessa aventura, que talvez não passe de uma aventura onírica. Não haverá coisa mais fascinante do que o tempo térmico.

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