quarta-feira, 14 de dezembro de 2022

Bric-à-brac

O barulho era tanto que abri a janela do escritório. Havia uma rudeza desenfreada na chuva que caía. Fiquei longos minutos a observar a queda da água e a escutar o som do embate com as pedras da calçada. As acácias estão completamente despidas. Indiferentes, recebem a dádiva celeste. O pequeno bosque da escola ao lado é um maciço sombrio. O dia passou entre ocupações motivadas pela estrita necessidade e a escuta da música pluvial que tem inundado as horas. Abro ao acaso um livro que tenho na secretária e leio Deixe tranquilo o seu bric-à-brac de esteta, e seja honesto, disse ele com frieza. Não foi bem isto que li, mas a versão francesa original. Talvez este narrador, que por falta de assunto fala do estado do tempo, seja apenas movido pela desonestidade de um esteta entregue ao divertissement que o bric-à-brac pseudo-intelectual com que se entretém proporciona. É uma forma de consolo, como ensina Blaise Pascal, para a dificuldade de ser si mesmo. Também é verdade que cada um encontra a salvação onde pode. Dói-me a garganta, a velha faringite está de volta, embora, nos dias que correm, se pense logo noutras causas. A chuva parou, enquanto a noite avança e consolida posições. Na rua, uma criança chora.

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