domingo, 29 de janeiro de 2023

Meditações

Um domingo de reclusão. Como um monge na cela medita sobre os mistérios da salvação, também eu meditei no escritório, embora os motivos de meditação fossem mais terrenos e inúteis. Durante toda a minha vida, o inútil foi aquilo que mais me atraiu. Não há como um dia inútil para que se medite sobre coisas inúteis. Poderia ser de outra maneira? Claro que podia. O que me impediria de meditar, por exemplo, na terrível Cláusula Filioque? Terrível, pois é uma das razões do grande cisma do oriente. Será que o Espírito Santo tem a sua origem apenas no Pai, como pretendem os ortodoxos, ou no Pai e no Filho, como advogam os católicos? Nada mo impediria e o motivo de tal meditação nunca seria esgotado, pois como poderia um mero mortal conceber um teste que provasse a verdade de uma das teses e a falsidade da outra? O que parece provar essa impossibilidade é que o cisma ocorreu há quase mil anos e, ao que consta, não se avançou um passo na resolução do enigma. Seria, todavia, mais útil meditar sobre a teoria das cordas, sobre essa possibilidade de unificar matematicamente a teoria da relatividade e a mecânica quântica? Tenho as minhas dúvidas. Seja como for, sei tanto de teologia como de física, o que significa que não poderiam, nem uma nem outra, ser motivos de meditação de um recluso de domingo na cela do seu escritório. Também é possível que tudo isto seja mentira e que tenha saído de casa e caminhado pela cidade, acumulando pontos cardio que, segundo a Organização Mundial da Saúde, contribuem para prolongar a vida e o bem-estar. Poderei ainda ter ido em excursão a uma certa aldeia do concelho, onde os agricultores vendem laranjas à beira da estrada, e comprado um saco delas. Um desses proprietários de laranjais, por acaso uma senhora já de alguma idade, também vende toranjas. Isso faz-me lembrar os tempos em que começava o dia com um copo de sumo de toranja. Depois, motivado pela necessidade de tomar um certo medicamento incompatível com esse citrino, abandonei o pequeno prazer diário. Agora, oiço o Quinteto para Piano n.º 1, da compositora polaca Grażyna Bacewicz. Muito gostava de saber pronunciar tal nome.

7 comentários:

  1. Quando me interessa saber a pronúncia correcta de certos nomes próprios, pesquiso o nome e, a seguir, escrevo: how to pronounce. Vai gostar de ouvir esse nome.

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  2. Gdybym się urodzila
    nie w tym, co trzeba, plemieniu
    i zamykaly się przede mna drogi?

    Wistawa Szymborska

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  3. Que problema desgraçado:
    Será que caiu o famoso altar
    Embora não fosse ainda começado?

    Agradeço que não me envie mais pautas musicais. Prefiro ensaios.

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    Respostas
    1. Será Fauré
      terramoto suficiente
      Ou teremos em Mozart
      Tudo o que nos vai na mente?

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    2. Aqui não faço ideia do que se trata ou o que está em causa.

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    3. Não se trata de nada e nada está em causa, a não ser entendermo-nos, como nos versos de Szymborska:

      Se não tivesse nascido
      na tribo certa
      e todos os caminhos se me fechassem?

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