quinta-feira, 4 de maio de 2023

Kitsch e ideias feitas

Duas belas edições chegaram-me hoje através dessa empresa elusiva que dá pelo nome de CTT, que tantas coisas boas, ao longo de décadas, me tem trazido. Na caixa do correio, encontrei, ao chegar a casa, o número 20 da revista Electra. Textos e imagens combinam-se num produto sumptuoso e de preço irrisório. Deveria ter evitado a adjectivação. É de mau gosto, talvez um exemplo do Kitsch, usar palavras como sumptuoso e irrisório. Ora, o assunto nuclear da revista é, neste número primaveril, o gosto, e há um artigo de António Guerreiro com o título de O Kitsch e outras declinações do mau gosto. A outra edição não a encontrei na caixa do correio, mas tive de ir por ela a um balcão dos CTT. Trata-se do volume I de Gargântua & Pantagruel, uma tradução do poeta Manuel de Freitas, com as inevitáveis ilustrações de Gustave Doré. A obra é publicada pela E-Primatur, uma editora que funciona através de projectos que são apoiados pelo público. Tinha dado apoio à publicação desta tradução, mas depois apaguei o facto da memória ou entreguei-o ao reino sombrio do esquecimento. Insisto no kitsch. Agora, recebi-o, não sem antes ter recebido um email que me avivou a memória e me retirou do abismo do olvido. A Electra termina com uma entrada, ou verbete, “Nómada” (mais honestamente, NÓ ● MA ● DA), da autoria de Daniel Jonas, do Dicionário das Ideias Feitas. Ora, aqui está uma coisa à minha dimensão, para além do kitsch, as ideias feitas. Nem sequer posso dizer que essas ideias feitas foram compradas. Umas foram herdadas, outras tomei-as de empréstimo, outras tê-las-ei roubado nem sei onde, e outras haverá que achei, pobrezinhas, pois andavam por aí ao deus-dará e recolhi-as. Por outro lado, e há sempre um outro lado, apesar da diversidade da sua origem, elas não são muitas. Além de feitas, as minhas ideias são escassas. Pertenço a um tempo de escassez e até nas ideias sou frugal, para evitar que me provoquem colesterol, uma coisa horrível como prova a origem grega da palavra, que deriva de Kholé (bílis) e steréos (sólido), ao que se adiciona, como se fosse sal, o sufixo -ol. Tudo informação gratuita da Porto Editora, passe a publicidade.

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