segunda-feira, 1 de maio de 2023

Um país de solucionadores

Hoje, 31 graus. Amanhã, 36. Eis um dos meus temas preferidos, as desventuras do calor. Outra coisa que me impressiona é a grande capacidade de os portugueses encontrarem soluções para problemas que, além de os desconhecerem, não têm qualquer possibilidade de executarem a solução que propõem. Estava eu à espera de outra pessoa, quando alguém me interpela por causa do calor e do calor saltou de imediato para a falta de água. Um deserto é para onde caminhamos, disse eu para não me comprometer. Deserto, não. Temos de usar água do mar, dessalinizá-la, exclamou. Não contente, afirmou que isso já acontecia há mais de 20 anos no Porto Santo ou numa outra ilha qualquer, não retive o nome. Canalizam a água como o gás. Eu que não faço ideia nenhuma do assunto, nem fiz notar que entre uma ilha minúscula e o país, apesar de pequeno, não há comparação possível. Chegou a pessoa por quem esperava e fui-me embora, deixando o solucionador de problemas a vociferar contra a burocracia, que, para além dos políticos, é sempre um útil bode expiatório para as nossas incompetências. Durante a minha vida, já longa, descobri que os portugueses são muito bons naquilo que não lhes cabe fazer. Este solucionador poder-me-ia ter dito que já estava a poupar água, que era frugal na sua utilização, que, usando a informática, tinha racionalizado o consumo em casa, sei lá, qualquer coisa que estivesse na mão dele, mas não. A solução óptima é sempre aquela que os outros têm de fazer, não a que me cabe realizar. Em tempos muito recuados da minha existência, naquela idade em que o fervor anímico é inversamente proporcional à compreensão da realidade, também cheguei a ter em carteira algumas fórmulas milagrosas, mas depressa me tornei ateu relativamente a essas divindades pagãs. Não só não lhes presto culto, como não tenho qualquer solução para seja o que for que ultrapasse os meus limitados poderes, e mesmo dentro destes, as soluções que encontro deixam sempre muito a desejar. Para dizer a verdade, nem me preocupo muito com a existência de pessoas que transbordam de soluções para os outros realizarem, desde que me sejam poupadas homilias, pregações, prédicas e sermões. Está calor e é tudo o que tenho para dizer.

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