sábado, 25 de maio de 2024

O verdadeiro niilismo

Comecei o dia com um encontro auspicioso com a balança. Fiz-lhe uma reverência, inclinei a cabeça, disse-lhe bom-dia. Ela encheu-se de salamaleques e devolveu-me um peso aceitável. Não, mais do que aceitável, promissor. Isso deu-me ânimo e tenho estado, neste dia de descanso, entretido com coisas úteis, embora, nesta vida, haja poucas coisas que são verdadeiramente úteis, e sobre elas nunca conseguiremos chegar a um consenso. O que é útil e decisivo para uns, será risível para outros. Isto é uma prova de que há qualquer coisa na sociedade que está errada. Diz-se que todas as sociedades têm as suas tábuas de valores. O drama é que nunca vi essas tábuas e aquilo que eu valorizo, outros nem reconhecerão a existência. Uma possibilidade é que todas as sociedades tenham uma tábua de valores menos uma. Precisamente, aquela a que pertenço. Imagino que seja um azar ter nascido na única sociedade que não tem uma tábua de valores, embora não se chegue a acordo se não tem nenhuma ou se tem tantas que parece não ter nenhuma. Podemos formar, a partir do que se escreveu, uma taxionomia societária – que palavra mais desgraçada – relativa à existência de tábuas de valores. Uma taxionomia possível, mas não real, note-se. Temos sociedades monistas, aquelas que só têm uma tábua de valores. Sociedades dualistas, as que têm duas tábuas de valores. Sociedades pluralistas, as que usam pelo menos três tábuas de valores. Por fim, sociedades niilistas, as que não dispõem de tábuas de valores. Nestas, cabe a sociedade a que pertenço. É uma sociedade que trocou a tábua de valores pelas tábuas de enchidos e pelas tábuas de queijos. Caí na pior das sociedades possíveis, pois as suas tábuas são inimigas da minha relação com a balança. Ora, como quero estar de boas relações com a balança, não posso orientar a minha vida pelas tábuas que orientam e dão sentido à sociedade a que pertenço. Isto explica muito do que escrevo, coisas sem sentido, coisas vindas de uma mente que perdeu a orientação, pois sente-se compelida a rejeitar as tábuas que guiam a sua sociedade. Se se perguntar o que é o niilismo, pode-se, com segurança, responder que é uma forma de vida que trocou as tábuas de valores por tábuas de enchidos e queijos. Esse é o verdadeiro niilismo, que nem Nietzsche conheceu.

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