sexta-feira, 31 de maio de 2024

Uma conspiração

Acabei de fazer uma viagem de treze graus. Saí do sítio onde me acolho com uma temperatura de 36o e cheguei a onde me encontro com uma temperatura de 23o. Aliás, a viagem tanto em tempo como em quilómetros é curta para os dias de hoje. Maio acaba enlouquecido e apostado em enlouquecer quem tem de penar pelos sítios onde a brisa marítima se recusa a chegar. Daqui a pouco, irei caminhar na amenidade da temperatura. Um mistério assola a minha existência. Um dos dispositivos de leitura que tenho – um eReader – está com uma inclinação exagerada para se apagar. Carrego-o e ao fim de um dia dou com ele sem bateria. Já investiguei possíveis causas, eliminei-as, passei a cumprir as orientações fornecidas, mas o objecto não está de acordo. Talvez seja dotado de vontade, de livre-arbítrio e tome a decisão de se descarregar só para me confundir. Esta é uma hipótese que se deve levar a sério. Até hoje temos lidado com os objectos como se eles fossem meros mecanismos fabricados pelo homem e limitados na sua acção a cumprir as instruções que o seu criador lhes dá. Talvez esta visão das coisas esteja errada e sempre que os seres humanos criam um utensílio, seja para o que for, criam um ser que possui vontade própria e conspira para nos contrariar. Quem nunca teve uma avaria no carro? Quem nunca chegou a casa e deparou com electrodoméstico que se recusa a trabalhar? Ninguém. Dizer que isso é um acidente mecânico é uma explicação cândida, uma candura que os objectos aproveitam para frustrar os proprietários e divertirem-se à sua custa. Diversão, não poucas vezes, muito pouco em conta. Os filósofos pré-socráticos, os de Mileto, estavam convencidos de que tudo no mundo estava dotado de vida e de alma, digamos assim. Era uma visão de homens experimentados e que não se deixavam enganar pelas coisas que se fingiam mortas. Nós, homens contemporâneos, perdemos essa capacidade de compreender as coisas e somos, a cada instante, zombados por seres que se recusam a cumprir as tarefas para os quais os destinámos. Talvez estejam a congeminar uma insurreição. Como se vê, o tempo fresco não me é mais favorável ao pensamento do que o calor infernal.

Sem comentários:

Enviar um comentário