domingo, 23 de março de 2025

Meditações climáticas

Já em casa, olho pela janela e penso que a Primavera chegou hoje. Algumas nuvens pairam no céu, mas a luz solar cai, ainda indecisa, sobre a cidade. É esta indecisão que marca as estações benévolas. O Inverno e o Verão pautam a sua existência por uma dogmática contumaz. São o que são, afirmam. Não quero dizer que sejam sempre fiéis a si mesmos, mas são-no aos dogmas climáticos que os orientam. Isso acontece com todos os dogmáticos. São mais fiéis aos dogmas do que a si mesmos. Não me quero desviar do assunto. A Primavera – também o Outono – são marcados pela indecisão, por uma hesitação estrutural que os faz balançar entre Inverno e Verão. Meditam longamente sobre a sua natureza, mas nunca sabem muito bem o que são. Essa ignorância é benfazeja, uma graça benévola para os seres humanos. É uma douta ignorância. Primavera e Outono sabem que não sabem, enquanto o Inverno e o Verão, apesar de ignorantes, estão convencidos de que são sábios e por isso geram um clima cheio de moléstias. Nos quase quinhentos quilómetros que fiz hoje, apanhei, aqui e ali, Inverno, mas a generalidade da viagem foi feita sob os auspícios da Primavera. Talvez devesse falar de outra coisa, mas não me ocorreu nada. Talvez um protesto contra os gritos que as crianças emitem no parque infantil aqui ao lado, mas isso seria injusto. Se não gritarem agora, movidas por um entusiasmo autêntico, quando o poderão fazer? Nunca? Quanto o seu entusiasmo for já apenas uma encenação? Também elas têm direito a festejar a indecisão da Primavera, neste primeiro dia em que ela chega, ainda um pouco estremunhada. Como eu.

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