sexta-feira, 5 de julho de 2019

Das semelhanças

Passei por uma pessoa conhecida, uma mulher que se aproximará da casa dos cinquenta, que não via há muito. Surpreendeu-me que se tivesse tornado tão parecida com a mãe, como se o tempo se aplicasse a seleccionar aqueles traços que, durante décadas dissimulados, estabelecem uma relação com o passado e assim tentasse eliminar os que diferenciam e são arautos de um salto na estirpe. A natureza, ponderei enquanto trocava algumas palavras de circunstância, é mais cuidadosa do que se pensa e tem horror ao desconhecido. Poderia ter evitado este antropomorfismo, mas não me apetece. Hoje acordei e ao ver a paisagem coberta por uma bela neblina comecei a atribuir sentimentos e objectivos humanos à pobre natureza, pura e inocente de todos esses pecados. Uma pessoa prudente evitaria atribuições dessas, passou-me pela cabeça, enquanto me despedia. Logo segui o meu caminho e esqueci as semelhanças, a natureza e a própria prudência. Na paisagem árida da minha mente, talvez motivadas pelo vazio, passam muitas ideias que melhor fora nunca tivessem vindo à existência. O pensamento, porém, é um cavalo selvagem e a mim faltam-me os dotes e a paciência para o domesticar.

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