quinta-feira, 11 de fevereiro de 2021

Da necessidade

De manhã, tornei à farmácia. O médico decidiu inovar e introduziu uma nova substância na ementa, a qual não apresenta opções, apenas preceitos a cumprir. Muito gostamos de pensar que a vida está cheia de possibilidades alternativas, mas começo a desconfiar que sob essa capa se esconde um feroz preceituário de regras a que não nos podemos furtar. A terrível necessidade dos gregos antigos. Estes diziam tudo com uma beleza de que perdemos a capacidade de imitar. Ananke era a deusa da inevitabilidade e mãe das Moiras. Eram sensatos, os gregos, ao prestar-lhe culto. Nunca se sabe se o inevitável não pode ser evitado. Haverá uma inevitabilidade na chuva que cai, pergunto-me. Talvez lhe seja possível não se precipitar e apenas o faça por um exercício de liberdade da vontade, o desejo de ajudar os homens e, ao mesmo tempo, de os aborrecer. Reparo que a minha inclinação para o registo meteorológico continua activa. Na verdade, sou um narrador sem narrativa, sem nada para contar e sem nada para dizer. Uma camada mais escura e baixa de nuvens parece deslocar-se a grande velocidade, ao contrário da camada superior, estática e sem vontade de se dar a grandes viagens. Também é plausível que seja uma ilusão, e que não existam nuvens, nem movimento, nem chuva e tudo o que vejo se passe na minha mente, que de tão ociosa se põe a imaginar um mundo fora dela, como se isso fosse possível.

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