quinta-feira, 6 de abril de 2023

Genes e fantasias

Alexander Kluge refere os estudos de Richard Dawkins, a quem chama darwinista – As últimas investigações do darwinista Dawkins… –, que rejeitam a ideia de que no processo evolutivo o lado dos maus tenha alguma vantagem. Parece que o gene dos bons é mais apto para sobreviver na luta pela evolução. Sendo assim, e ainda segundo Dawkins, o bem parece estar a aumentar pouco a pouco nas sociedades humanas. Isto será confirmado por estudos de outras áreas. Isto, todavia, contraria as crenças enraizadas na generalidade dos seres humanos e das sociedades. O presente é sempre visto como um tempo de decadência, o futuro é sempre negro, só no passado, nos bons velhos tempos que ninguém viveu, se encontra alguma perfeição. A História e a Biologia evolucionista contrariam esse sentimento da perfeição do passado. O sentimento tem a sua raiz na ideia de que o momento originário é um tempo de plenitude, e o afastamento desse tempo é um mergulho na degradação. Nasce ainda da decepção que todos sentem no presente, em qualquer tempo presente. Essa decepção resulta do desacordo entre aquilo que o desejo pretende e a realidade. Esta é sempre desoladora, se comparada com o que se deseja que ela seja. Essa desolação é então posta perante o temor do que virá e a mitificação do que passou. O processo de mitificação do passado implica o apagamento daquilo que nele é atroz, a rasura de tudo o que é insuportável. Não é por acaso que a Biologia evolucionista é objecto de inúmeras tentativas de descrédito vindas de fora da ciência. É possível que a evolução da espécie necessite dessa ilusão de um passado infinitamente melhor do que o presente, e talvez seja a fantasia de um passado onde os seres humanos eram melhores do que hoje que permita que os de hoje sejam, na realidade, melhores do que eram os de ontem. Sendo assim, a difusão do gene bom e a paulatina dominância deste sobre o mau são acompanhadas por uma fantasia, sendo esta que permite não apenas resistir ao gene mau, como o ir apagando da nossa própria história.

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