quarta-feira, 12 de julho de 2023

Jogar xadrez

Apesar da natureza encantatória do título A insustentável leveza do ser, nunca fui um kunderiano. Li algumas obras, entre elas a supra referida, mas a que mais me agradou foi a Arte do romance, que não é um romance, mas uma reflexão sobre essa modalidade narrativa. Tanto quanto me lembro, entre a minha leitura e a escrita de Kundera nunca se estabeleceu um efectivo contacto. Talvez sensibilidades diferentes. Coisa muito diferente sucedeu com autores da Europa central, como Kafka, Musil, Broch ou Thomas Mann. Talvez um dia volte às obras do agora desaparecido escritor checo. Continuo numa espécie de confinamento, devido à indisponibilidade do pé direito. Entretenho-me a gincanar pela casa. Uma crise atingiu as minhas netas com o drama dos bilhetes para um concerto, mas são coisas que coloco à distância. Não faço ideia quem é a cantora que gera lágrimas e suspiros, mas sei que a adolescência é uma doença aguda, embora passe com relativa rapidez. Num jornal online, vejo que em certas zonas da Estremadura espanhola a temperatura do solo atingiu os sessenta graus Celsius. Tudo indica que a coisa não vai acabar bem. Isso recordou-me um poema de Ricardo Reis. A primeira estrofe reza assim: Ouvi contar que outrora, quando a Pérsia / Tinha não sei qual guerra, / Quando a invasão ardia na Cidade / E as mulheres gritavam, / Dois jogadores de xadrez jogavam / O seu jogo contínuo. Tornámo-nos todos jogadores de xadrez e nem o incêndio do mundo nos retira da contemplação do tabuleiro, não vá a nossa rainha fugir com o rei adversário, e, por causa disso, tenhamos de ir de novo montar cerco a Tróia.

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