sábado, 22 de julho de 2023

Um ateísmo contumaz

Por aqui, Deo gratias, está uma manhã sombria. O Sol escondeu-se atrás das nuvens e, enquanto oiço murmurações contra a gestão do clima por estes lados, rejubilo. Talvez isto seja vergonhoso, talvez me falte empatia pelos seres adoradores de areia e sol, talvez seja um egoísta refastelado numa cadeira. A situação, porém, não será particularmente dramática. Os raios solares romperão a cortina nebulosa, os adeptos das orlas marítimas terão oportunidade de ir molhar o pé e eu estarei resguardado desse culto pagão. Por aqui, há um velho ditado que enuncia, sem pudor, primeiro de Agosto, primeiro de Inverno. Há na máxima acentuado exagero, mas terá alguma verdade. Talvez não se trate de uma máxima, mas de uma caricatura oral, com tudo o que as caricaturas têm de hiperbólico. As minhas netas estão por cá, o meu neto não tardará. Também não faltam cães, mas com esses a minha relação é de respeitosa distância, embora um ou outro insista em ser meu amigo. Explico-lhe que não fomos feitos para a amizade, mas eles não se comovem com a minha racionalidade e continuam a tentar estabelecer contacto. Uma vez por outra, cedo, mas não faço parte dos cultores dos animais de estimação. Nada tenho contra eles, claro, mas que sejam outros a praticarem a religião. Neste caso, sou ateu. Aliás, depois de a religião tradicional ter sido vítima da rasura dos costumes, surgiu um número incalculável de deuses, todos a exigirem fé inabalável e ritos abstrusos. Tento manter, perante todos eles, um ateísmo contumaz. Agora, alguém chama pelo meu nome. Posso fingir que não oiço, mas o mais sensato será ir ver o que se passa.

2 comentários:

  1. Também relativamente a esse culto sou não praticante. No outro dia no café uma senhora disse para um cão: vem cá à avó.

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    1. Pois, netos só humanos. Esses precisam de avós. Não acho graça à moda da substituição de crianças por animais de companhia.

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