sexta-feira, 19 de abril de 2024

Da inutilidade

A semana útil terminou. Começou a sacrossanta inutilidade. Comemoro este início espreguiçando-me na cadeira, enquanto penso na ordem moral do mundo, um problema que nos últimos tempos me tem vindo ao pensamento mais vezes do que seria suposto, caso eu me tivesse dedicado a fazer suposições. Um episódio ouvido permitiu-me acentuar o cepticismo sobre a espécie humana. A recompensa não cabe ao que se esforça e realiza, mas aos que fingem e movem influências. É verdade que estamos num mundo de influencers, o que é sintoma de que o projecto iluminista de abolição de tutores e afirmação da autonomia dos indivíduos anda pelas ruas da amargura. Pobre Kant, pensei. Os influencers são os tutores dos tempos pós-modernos que nos cabem viver, os seguidores são aqueles que insistem em ser menores, dessa menoridade culposa que insistem em manter, pois dispensa-os de usar o seu entendimento, como escreveu o dito Kant. Eu nem comecei mal o texto, com um elogio à preguiça sob o manto de uma loa à inutilidade, mas logo caí em elucubrações fantasiosas sobre coisas que não interessam a ninguém. Deveria contentar-me com a certeza leibniziana de que vivemos no melhor dos mundos possíveis e aproveitar o tempo das coisas inúteis dedicando-me à inutilidade. Mas não foi isso o que fiz ao escrever este texto?

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