sábado, 19 de outubro de 2024

Auxiliares de leitura

Experiências. Pega-se num romance, por exemplo, Os Maias, e coloca-se no ChatGPT. A partir daí pode-se pedir uma série infinita de tarefas. Uma experiência curiosa é de pedir que interprete a obra à luz de uma certa teoria literária ou de uma teoria psicanalítica. Pode-se pedir uma interpretação à luz do pensamento de um filósofo, de um antropólogo, etc. O que acontece não é desprezível. O chatbot selecciona um conjunto de conceitos e de teorias proveniente do autor ou da teoria referida no prompt e aplica-os à obra, oferecendo uma leitura baseada naquela perspectiva. Pode-se, então, coleccionar múltiplas leituras psicanalíticas, filosóficas, literárias, religiosas, enfim, do que se quiser. A obra é como a partitura de uma sinfonia ou de um concerto. Depois, os diversos maestros vão-na interpretando conforme a sua visão musical. Ora, esta proliferação, ao infinito, de possibilidades tem alguma utilidade para o leitor? Desde que ele não substitua a leitura da obra pela leitura dos textos gerados pelos algoritmos, o processo pode ser enriquecedor da leitura. O horizonte do leitor alarga-se e a sua capacidade de acolher a obra torna-se mais ampla e mais esclarecida. Um romance, como qualquer obra de arte, é um objecto simbólico. Ora os símbolos suscitam múltiplas interpretações, as quais nunca esgotam o sentido com que esse símbolo está sobrecarregado. Aquilo que estes chatbots nos oferecem é a possibilidade de ter outros pontos de vista que permitam enriquecer a nossa leitura da obra. Em si mesmas, aquelas interpretações valem pouco ou nada, pois não são interpretações, mas podem ajudar os seres humanos a serem melhores leitores. E isso não é pouco. A inteligência artificial não substitui os seres humanos. Só eles podem interpretar Os Maias, mas os algoritmos têm capacidade de associar frases com sentido que os seres humanos compreendem, apesar de o chatbot gerador não compreender o que fez. E isto não deixa de ter significado, pois podemos alargar a nossa compreensão a partir de algo que resulta de um ser que não compreende, não interpreta, não sabe, pois manipular informação, ainda que com acerto, não é compreender, nem interpretar, nem saber.

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