Uma chuva persistente impediu-me de sair para caminhar. Não sou
caminhante na chuva, está visto. Será que os nossos longínquos antepassados,
digamos de há cinco ou dez mil anos, se abrigavam da chuva? Ou caminhariam sob
ela, como se isso fosse a coisa mais óbvia a fazer? Isto levanta uma outra
questão. Qualquer um de nós, mal começa a chover, se não tem um chapéu de chuva
ou coisa que o substitua, procura de imediato abrigar-se. Contudo, os
desportistas, como os jogadores de futebol ou os corredores da maratona, não
abandonam a competição e procuram abrigo. Será que o fazem porque neles ainda
ressoa uma memória ancestral do tempo em que os homens não se abrigavam da
chuva, se é que esse tempo existiu? São estas magnas questões que me atormentam
o espírito, agora que se aproxima a hora crepuscular onde o dia e a semana útil
morrerão. Neste momento, lá fora uma luz cinzenta ainda mostra o que posso
avistar da cidade. Reparo nas acácias. Parecia, ainda em Setembro, que as suas
folhas amareleceriam este ano mais cedo. A aparência não se confirma. O amarelo
está contido e as folhas continuam num verde exaltante que nem a cinza da tarde
consegue toldar. As árvores do bosque da escola ao lado, reparo agora, ainda
não cresceram o suficiente para taparem o anúncio luminoso de uma cadeia multinacional
de hambúrgueres, que parece estar ali para me espiar. Já do outro lado, um
simples pinheiro quase ocultou uma das torres que posso avistar do castelo. A
vida é um exercício de ocultações, concluo, embora omita as premissas que levam
a tão destemperada conclusão.
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