sexta-feira, 11 de outubro de 2024

Inquirições e ocultações

Uma chuva persistente impediu-me de sair para caminhar. Não sou caminhante na chuva, está visto. Será que os nossos longínquos antepassados, digamos de há cinco ou dez mil anos, se abrigavam da chuva? Ou caminhariam sob ela, como se isso fosse a coisa mais óbvia a fazer? Isto levanta uma outra questão. Qualquer um de nós, mal começa a chover, se não tem um chapéu de chuva ou coisa que o substitua, procura de imediato abrigar-se. Contudo, os desportistas, como os jogadores de futebol ou os corredores da maratona, não abandonam a competição e procuram abrigo. Será que o fazem porque neles ainda ressoa uma memória ancestral do tempo em que os homens não se abrigavam da chuva, se é que esse tempo existiu? São estas magnas questões que me atormentam o espírito, agora que se aproxima a hora crepuscular onde o dia e a semana útil morrerão. Neste momento, lá fora uma luz cinzenta ainda mostra o que posso avistar da cidade. Reparo nas acácias. Parecia, ainda em Setembro, que as suas folhas amareleceriam este ano mais cedo. A aparência não se confirma. O amarelo está contido e as folhas continuam num verde exaltante que nem a cinza da tarde consegue toldar. As árvores do bosque da escola ao lado, reparo agora, ainda não cresceram o suficiente para taparem o anúncio luminoso de uma cadeia multinacional de hambúrgueres, que parece estar ali para me espiar. Já do outro lado, um simples pinheiro quase ocultou uma das torres que posso avistar do castelo. A vida é um exercício de ocultações, concluo, embora omita as premissas que levam a tão destemperada conclusão.

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