Também os deuses envelhecem. Quando novos, a sua ira é terrível. Envelhecidos, resmoneiam entre dentes, numa rezinga a que nem os mortais dão atenção. Refiro-me, claro, a Zeus — ou, em versão latina, a Júpiter — o deus dos deuses. Quando eu era mais novo, tenho ideia de que havia por aqui trovoadas épicas. Relâmpagos, raios e coriscos — tudo acompanhado com o ribombar exaltado dos trovões. Era uma ira magnífica, que só acabava quando as nuvens vertessem, em abundância, uma água também ela irada, que tornava as ruas num rio revoltoso. Oiço agora o rezingar de Zeus, mas uma coisa débil, sem energia, nada de relâmpagos. Apenas uma atmosfera abafada, calor ainda a esta hora, os corpos a pedir uma bela trovoada, uma grande chuvada que limpasse os corações e as mentes — poluídas que andam dos negócios da vida, pois, como se sabe, não há coisa mais poluente do que a vida. Uma possibilidade, porém, é que a antiga ira dos imortais seja mais imaginada do que real. Será que as antigas trovoadas seriam tão épicas quanto me parecem agora? Juraria que sim. Fecho os olhos e ainda as oiço e vejo. Magníficas. Todavia, o mais sensato será não jurar, para não faltar à verdade. Está um crepúsculo arrastado, um céu cinzento, uma noite que não cai. O mundo está fora dos eixos, e não é minha missão colocá-lo no lugar, nem endireitar tortos. Sou um herói sem causa, nem vilões para enfrentar, nem gesta para me elevar à glória. Comento trovoadas com recurso à mitologia, mas não descendo dos deuses. Não sou um Aquiles — mas também não tenho o calcanhar dele. Terei os meus, claro.
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