quinta-feira, 27 de novembro de 2025

Sorte

Esta coisa de juntar palavras e delas nascerem frases, textos, discursos… Mostra que a sorte não está desligada da existência. É espantoso como ela opera sobre a linguagem humana. Estamos convencidos – como em tudo, a espécie humana transborda de convicções – de que compomos todos esses produtos da nossa linguagem. Orgulhamo-nos deles e até inventámos prémios para aqueles que apresentam as combinações de palavras mais originais. Ora, navegamos num equívoco. Não somos nós que compomos seja o que for. É a sorte que ordena os sons que saem das nossas bocas e os sinais que saltam dos nossos dedos. É a sorte que compõem os belos discursos e os grandes poemas ou romances. Mesmo os tratados de Filosofia ou as narrativas dos historiadores nascem dessa sorte. Pomo-nos a falar ou a escrever e as palavras começam a sair de nós, sem que tenhamos mãos nelas. Não são nossas. Acontecem-nos. Talvez por orgulho ou por medo de confessar que nada do que dizemos é nosso, convencemo-nos que somos autores. Não somos. As palavras borbulham como numa tômbola e saem, formando configurações que, por pura sorte, parecem fazer sentido. Não fazem. Somos nós que lho atribuímos para não parecermos que estamos loucos. Mas estamos.

Sem comentários:

Enviar um comentário

Nota: só um membro deste blogue pode publicar um comentário.