terça-feira, 12 de março de 2019

Da insignificância

Olho o calendário com um gesto inconformado de desdém. Março vai já no décimo-segundo dia. Irrompeu inexorável pela malha crespa do tempo e, não tarda, deixa-nos à porta translúcida de Abril. Não há assunto no mundo mais glorioso que o passar do tempo, que, com as suas garras de algodão, vai abrindo um serralho de rugas onde vivem, encerradas e esquecidas, as antigas esperanças. Fico fascinado com as aliterações em erre da última frase, mas logo um desânimo sobrevém e me devolve ao raio da realidade, e assim, sem vergonha, continuo a aliterar. Muito gostaria de ter, juro-o, assuntos elevados sobre os quais discorrer e partilhar com os outros a indústria da minha sabedoria, mas não tenho propensão para a melancolia meditabunda e raramente me ocorre alguma coisa digna de nota. És frívolo, digo-me a mim próprio. Com tantos assuntos importantes, prossigo a acusação, e preenches o espaço e o tempo com bagatelas e minúcias que nem ao mais indigente dos mortais ocorreriam. Se fosse Homero, respondo-me, escreveria uma Ilíada e uma Odisseia, mas não sou. Basta-me a babugem da insignificância.

2 comentários:

  1. Que vergonha, tive que ir ver o que é babugem...
    Sempre a aprender!

    Posto isto, será que Homero existiu mesmo?

    Maria

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    Respostas
    1. Mesmo que não tenha existido, não deixa de ser real. Estão aí as obras para o provar.

      HV

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