sexta-feira, 15 de março de 2019

Glória

Esta indecisão que tolda as tardes de sexta-feira corrói o prazer com que o fim-de-semana se apresenta no horizonte. O mal das expectativas, ocorre-me de imediato, não é a sua realização, mas a velocidade assombrosa com que se cumprem, para logo entrarem no território inexplorado do passado. Não és particularmente virtuoso, diz-me a consciência, mancomunada com o espírito deste mundo. Esse desejo de parar o tempo nos dias de ócio ainda te há-de perder. Eu encolho os ombros e viro as costas à consciência. Perdido estou eu há muito. Naufrágio por naufrágio, ao menos que seja em dia de descanso, remato a controvérsia e mergulho no intrincado raciocínio de um pensador que faz da obscuridade a porta por onde entra para o reino da glória. As sextas-feiras são pouco propícias, comprovo-o de imediato, para conviver com coisas obscuras e fecho o livro, deixando o pensador encerrado na reputação que é a sua. A minha única glória, constato miserável, era aquela que, na infância, alcançava, se a alcançava, num jogo da Majora, em que lançava dois dados para poder mexer a minha marca, numa corrida cheia de precipícios, infernos, purgatórios, mortes e aquilo que já não me lembro, para chegar à casa da Glória, onde encontrava sentado o tal pensador cujo livro fechei há pouco, e que eu não sabia que era pensador e um amante de coisas obscuras. A vida está cheia de surpresas e de encontros inesperados, concluí.

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