domingo, 10 de março de 2019

Resplendores

Talvez tenha sonhado esta madrugada. Acordei com uma frase eloquente e perfeita a dançar-me no espírito, uma daquelas conjugações de palavras que nunca me ocorrem quando estou desperto. Só poderia ser um sonho ou o sopro de alguma musa. Depois, como é hábito, ao sentar-me para a escrever, os direitos autorais foram reivindicados e eu esqueci o que tanto me tinha impressionado. O sol de domingo ateia fagulhas de verde nas árvores. As folhas cintilam e cobrem de reverberações o silêncio onde me escondo. Oiço o barulho de um secador de cabelo e tapo os ouvidos. A vida não passa de pequenos resplendores que logo se apagam, filosofo sem convicção. Olho a rua e vejo as pessoas vestidas com a displicência que se tornou imperativa nos dias de ócio. Fingem desocupação e tempos livres, e eu finjo que as compreendo. E neste fingimento geral, tento lembrar-me da frase que, pela sua beleza, iria salvar o mundo de todas as ficções. A memória, porém, nem a mim, seu eventual proprietário, está disposta a salvar. Nesta revolta da propriedade contra o proprietário vejo anunciado o fim do mundo.

4 comentários:

  1. Talvez o vento traga a sua bela frase salvadora do mundo, quem sabe... porque the answer, my friend, is blowin'in the wind, the answer is blowin'in the wind.

    Maria

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    1. O vento sopra onde quer, como disse o evangelista João. E hoje, por aqui, há grande calmaria.

      HV

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    2. Ah mas o vento vai voltar, de certeza.
      E se não trouxer a sua frase de volta, cantaremos:
      "E o vento mudou e ela não voltou...".
      E o HV terá que sonhar outra frase, ou não...
      Ups, daqui a pouco vêm-me cobrar os direitos de autor.

      Maria

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    3. O vento é muito volúvel. Talvez volte. Talvez não.

      HV

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