segunda-feira, 27 de julho de 2020

O desejo infinito

Uma das coisas que se aprende com a observação do mundo é que a maioria das pessoas confunde o desejo com aquilo que é possível. A realidade surge então sempre de forma sombria e toda a gente parece mancomunada para evitar o que seria possível, não fora a aleivosia dos outros, porque nisto, os aleivosos são sempre os outros. Não lhes passa pela cabeça que aquilo que é possível pode nada ter a ver com aquilo que desejamos. As possibilidades são finitas e o nosso desejo é infinito. Este tipo de estultícia, muitas vezes mascarado de erudição, abunda por todo o lado. Falei sobre isto com o padre Lodo e o casal seu amigo, no jantar de há dias. O mecanismo é interessante, disse o padre e passou a uma longa explicação didáctica. O nosso desejo, referiu com uma entoação sempre italianizada, diz-nos que algo é muito desejável. Depois, a nossa razão contaminada pela sensualidade proclama bem alto que o nosso desejo é possível de realizar. A partir daí tentamos impor aos outros a realização daquilo que desejamos, mas como raramente o desejo se atém ao que é possível, saímos para a rua com o dedo em riste a acusar esses malandros que não realizam as nossas fantasias. A perspicácia de Lodovico nem sempre lhe granjeou amizades. Pelo contrário. Lembrei-me disto, depois de ler certas coisas há pouco, coisas que caem neste erro, mas que merecem longos aplausos e muitos likes nas redes sociais. Toda a gente sofre de infinidade do desejo, pensei. Por mim, desejo um café.

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