sexta-feira, 10 de julho de 2020

O oblívio dos pontos cardio

Cobre-me o dia uma pouca vontade para que nele inscreva qualquer coisa. Respiro fundo e sou invadido pela sensação de que sempre é assim. Dias cobertos de vontades poucas. A manhã começou com uma caminhada. Depois, entreguei-me com zelo a trivialidades, mas a existência é feita de coisas triviais. Ninguém suportaria uma vida inteira preenchida, momento a momento, de grandes acontecimentos, mesmo que fossem apenas privados. As manhãs parecem-me sempre tecidas com o fio da inocência, que uma alma cândida terá fiado durante a noite. O estado virginal, porém, vai-se maculando com o passar das horas e o tecido do dia, de início tão branco e resplandecendo, encarde-se e perde o fulgor. Quando caminho, levo o telemóvel para que este supervisione o meu andamento e que me informe quantos pontos cardio acumulei. Aqui entre nós, confesso que não faço ideia do que sejam pontos cardio, mas gosto do nome, de uma certa musicalidade que há nele. Hoje nas deambulações matinais não encontrei ninguém conhecido. Por vezes, algum outro caminhante passava por mim, mas era uma sombra que se desvanecia, a caminho doutro santuário que não o meu. A palavra oblívio começou a retinir em mim. É mais bela que cardio e não há melhor remédio para muitos males do mundo que o oblívio. Pudera eu, até me obliviaria de mim.

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