quinta-feira, 9 de julho de 2020

Um buraco negro

Pela primeira vez, em meses, ouvi um bando de pós-adolescentes algazarrear junto ao centro de línguas, na praceta aqui em baixo. Não faço ideia se o centro reabriu ou se eles se juntaram ali para descontrair de algum exame feito ou a fazer na escola ao lado. Estavam de máscara, pareceu-me, mas as vozes elevavam-se com a força que só a inocência lhes dá, mesmo que seja uma inocência que se julga culposa, crente de que uns quantos desvios às regras lhes dá uma experiência mundana que porá todos os velhos de boca à banda. Para aquelas idades, alguém com pouco mais de trinta anos é um velho irremediável. Quando tiverem sessenta descobrirão que ainda não são velhos. Continuam a florir os arbustos da escola. Ando há meses a tentar recordar o nome daquelas plantas, mas ainda não o consegui. Talvez nunca o tivesse sabido. Na casa de uma das minhas avós havia uma paliçada coberta por umas trepadeiras que davam umas flores roxas que, abertas, tinham uma forma de campânula ou sino. Que nome teriam elas? A Botânica não é o meu forte. Ontem o meu neto veio visitar-me. Mal me vê puxa-me o dedo para vir para a secretária onde não se cansa de bater no teclado. Depois, quer que eu o empurre na cadeira do escritório. Estas viagens de cadeira de escritório já vão na terceira série. Os dias deslizam para o buraco negro de onde, devido à intensidade do campo gravitacional, nunca conseguem regressar. E com isto resolvi um dos grande enigmas da humanidade. Por que razão não conseguimos viajar para o passado? A resposta é simples. O passado não é um país estrangeiro onde as coisas se fazem de forma diferente, como pensava o senhor Hartley, mas um buraco negro onde tudo o que nele cai desaparece para sempre. Exausto por esta descoberta, calo-me para não a estragar.

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