terça-feira, 17 de novembro de 2020

Não é bom sinal

Os dias continuam a minguar. Eu empequeneço com eles, mas quando eles, em súbita reviravolta, deixarem de diminuir, eu não deixarei de me tornar mais pequeno. A natureza, com os seus ciclos, é uma armadilha. Dá aos homens uma ilusão de eternidade para os distrair da sua finitude, desse contínuo encurtar da linha da vida. Quando, hoje, atravessei a cidade pela primeira vez, pensei que o Verão de S. Martinho se atrasara. Não é bom sinal a pontualidade falível dos santos. Algum assunto momentoso os reterá para que não cumpram a tempo e horas os seus compromissos. Nas ruas, pessoas mascaradas deslocam-se devagar, como se lhes faltasse a energia e tivessem entrado num ritmo de câmara lenta. A gravidade resplandece agora naquela parte do rosto que ainda é visível. Há notícias de surtos, alteram-se as contabilidades, há quem diga não tarda e está tudo confinado como em Março. Outros vão em silêncio ou passeiam cães à trela. Eu olho para tudo isto e penso que é terça-feira, e este foi o pensamento mais profundo que me ocorreu durante todo o dia.

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