sexta-feira, 27 de novembro de 2020

O peso da identidade

Também eu não conhecia Frans Eemil Sillanpää, um finlandês que ganhou o Nobel da literatura em 1939. Como muitas vezes acontece, um acaso levou-me a ele e consegui comprar os dois romances que a Editorial Inquérito, há muitas décadas, traduziu pela mão de José Marinho. Tratam-se de Silja e Santa Miséria. Estou a ler este último. A personagem central, um homem um pouco lento de raciocínio, vai recebendo nomes diferentes ao longo da vida. Fiquei a invejá-lo, também eu poderia receber diversos nomes conforme os anos se fossem acumulando. Tinha várias vantagens. Diversificaria, coisa que está muito em voga no espírito do tempo. Depois, evitaria o cansaço da identidade. Ter uma identidade é um peso que chega a ser insuportável, ir tendo várias é como se não tivesse nenhuma, o que seria uma grande liberdade. A noite cerrou-se já. Acompanho com zelo o minguar dos dias, enquanto o Outono progride. Hoje dei uma volta, depois de almoço, pela praceta e ruas adjacentes. As folhas molhadas amontoam-se debaixo das acácias, os ramos parecem antenas ocupadas em captar algum sinal de vida alienígena e as pessoas são agora incógnitas sob as máscaras que as protegem dos vírus e do mau olhado. Entrei em fim-de-semana. Nesta expressão ressoa sempre uma qualquer ameaça de apocalipse, mas pode acontecer que o problema resida em mim, uma mente, além de lenta, demasiado impressionável por certas palavras. É o que faz o peso de ter uma identidade.

2 comentários:

  1. Engraçado, eu li a Silja há uns seis ou sete anos. Encontrei o livro no biblioteca, quando andava à procura de autores galardoados com o Nobel. Foi também nessa altura que li o Fome do Knut Hamsun, O Pátio Maldito do Ivo Andric e o Barrabás do Paar Lagerkvist.
    Também li a Grazia Deledda e a Sigrid Undset, que ainda não estavam editadas por cá, penso eu.
    Tudo autores que desconhecia, e tudo graças a uma espécie de aposta para ver quem tinha lido mais Prémios Nobel: foram descobertas interessantes de alguns autores com nomes impronunciáveis :-)
    Também entrei em fim-de-semana, mas nem dei por isso, os dias agora (para mim) são sempre iguais...

    Bom fim-de-semana, HV.
    🍂🍁🍂
    Maria

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    1. De todos esses, só li o Knut Hamsun. Vários romances. Tenho em lista de espera a Grazzie Deledda e o Ivo Andric. Essa ideia de fazer uma caça ao Nobel é interessante, embora os não Nobel possam fazer listas mais interessantes.

      Um bom fim-de-semana, Maria

      HV

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